O debate em torno do Marajó ganha destaque novamente, trazendo à tona discussões complexas sobre desinformação, racismo estrutural e responsabilidade social. Desde a polêmica provocada por declarações controversas em 2022 até a recente repercussão da música de Aymeê, uma jovem paraense que aborda questões de exploração sexual na região, o assunto tem ocupado espaços de mídia e redes sociais.

Equívocos na abordagem do tema, uso sensacionalista de imagens e disseminação de fake news, muitas vezes impulsionada por interesses políticos e econômicos da extrema direita, têm contribuído para distorcer a narrativa e manipular a opinião pública. O “reforço” tem sido feito por meio de influenciadores com milhões de seguidores, como Carlinhos Maia, Rafa Kalimann e Gkay

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“Nós fomos ensinados a aceitar as informações. Mas também acredito que existem pessoas que estão ali simplesmente por like, simplesmente porque foi injetado dinheiro e eles vão lá e impulsionam, não estão preocupados necessariamente com uma questão social, estão mais preocupados com a autopromoção”, diz Gabriel Conrado, afro amazônida, paraense, fisioterapeuta, mestrando em ciência política pela UFPA que produz conteúdos sobre a cultura nortista e sobre a realidade afro amazônida.

Ele foi entrevistado pela nossa editora-chefe Silvia Nascimento. Leia a entrevista completa abaixo:

Foto: Reprodução

Desde quando o assunto sobre o Marajó começou a aquecer de novo e o que você atribui a esse fato? 

Bom, eu acredito que esse assunto do Marajó começou a aquecer mesmo, foi com a fala da Damares em 2022, onde ela traz informações, mas nunca provou nada e foi processada, a pagar indenização para a população da cidade. Mas recentemente, isso aconteceu a partir da música da Aymeê, uma menina paraense, que cita o Marajó, a exploração sexual, o abuso sexual de menores na Ilha, que na verdade é um arquipélago. E a partir desse ponto, páginas de fofoca começaram a impulsionar a música e também impulsionar vídeos de uma ONG que se diz apta e que luta pelo bem das crianças e adolescentes da Ilha do Marajó.

Quais são os maiores erros na abordagem desse assunto e de que forma ele reforça o racismo? 

Existem vários erros. Primeiro, que é a falta de informação. Você não diz as fontes de onde sai, você não diz a fonte das imagens. Você utiliza imagens de crianças de forma sensacionalista para impulsionar um assunto que é extremamente sério. Você não tem uma procura sobre uma investigação que seja feita dentro do arquipélago do Marajó sobre esse assunto. Você não tem uma cobrança de políticos sobre políticas públicas relacionadas à questão do abuso infantil, da exploração sexual de crianças. São vários erros que são tomados nessa situação. Não tem o reforço de governadores, de vereadores, de prefeitos, da presidência, de deputados para que esses assuntos sejam verdadeiramente colocados como assuntos sérios, como a política pública, a saúde pública, que precisa ser colocado. Fora que, quando você estigmatiza uma região. A gente vive em um país onde a base da economia é o racismo. E o capitalismo existe nesse país com a base desse racismo. E a gente olha para o Brasil e a região norte, ela é vista como uma região extrativista e como uma região de periferia do Brasil. E se coloca aqui como uma região onde não tem evolução, onde não tem pessoas civilizadas, onde não tem tecnologias, onde não tem cultura, onde não tem nada disso. Aquela ideia bem colonial de que os nativos da Amazônia, que aqui é um lugar inexplorado, um lugar onde o território não é devidamente explorado, é um reforço de uma ideia colonial e racista. E aí a gente reforça isso quando traz essa ideia de que apenas pessoas vindas do sudeste, os salvadores brancos podem salvar, que é a mesma narrativa que se faz com o continente africano, reforçando essa ideia de pobreza do continente africano, supostamente que eles dizem.

Qual a responsabilidade do Estado nessa situação e onde ele falha? 

Na verdade, eu já acho que o Estado se ausenta de propósito, porque é uma realidade que todo mundo sabe que o Brasil tem. É um problema que o Marajó realmente passa, assim como o Brasil todo passa. Existem pesquisas falando sobre a importância de ter uma presença do Estado em lugares muito mais distantes. Aqui os recursos chegam muito atrasados, os investimentos às vezes nem chegam, nossos problemas sociais, nossos problemas de saúde, eles não são vistos da maneira que deveriam ser vistos. O Estado se põe ausente. Ele olha para o Sudeste, para o Centro-Oeste, para o Sul, mas não olha para o Norte como deveria olhar. Nós somos uma região de dimensões continentais, cabem diversos países aqui dentro e a gente tem problemas que já deveriam ter sido resolvidos se o Estado se colocasse à disposição. O Estado existe para garantir nossos direitos humanos e ele não faz isso aqui. Nós temos a pior internet do Brasil. 30% da população tem acesso a uma internet de qualidade. Quem é essa população que tem internet de qualidade? Aqui a gente não tem acesso à água potável. Aqui a gente tem um difícil acesso à saúde, a educação aqui não é boa, ela é uma das piores do país. E por que isso ainda existe? Porque em 2024 a gente ainda está com isso? Cadê o Estado para intervir nisso? Cadê as políticas públicas para poder mudar essa realidade?

Você acredita que esse compartilhamento de fake news é estimulado por quem? 

Então, eu acredito sinceramente pela extrema direita. Eu faço pós-graduação em ciência política e um dos debates que a gente tem é como a extrema direita aprendeu a lidar com as redes sociais e lidar com a internet e usar isso a seu favor. Elas impulsionam muitas informações falsas dentro dos sites de fofoca, onde as pessoas simplesmente não procuram a verdadeira fonte daquilo e acreditam no que está sendo dito. E ainda mais quando se é colocado questões de comoção social, onde a gente fala de crianças, abuso de crianças, isso mexe com o consciente das pessoas, atacando exatamente no lugar onde mais a comove. E aí as pessoas perdem o senso, elas querem ajudar, mas não buscam a fonte de tudo. Será que realmente é verdade? Até porque, na nossa educação, a gente não aprendeu a pesquisar sobre as coisas, a gente aprendeu a aceitar as informações como elas vêm e não a questionar aquilo que nos é informado. Então, esse compartilhamento de fake news é utilizado, ao meu ver, pela extrema direita de maneira muito inteligente, porque eles chegam no objetivo que eles querem, causar um caos social, disseminar uma informação de maneira impulsionada e orquestrada. Não é de maneira orgânica, porque eles injetam dinheiro dentro tudo. E a gente, enquanto pessoas que se dizem da esquerda, precisamos aprender a lidar com isso também, precisamos parar essa ideia de que tudo é muito orgânico. Nós vivemos em um país, em uma situação social mundial, em que as coisas orgânicas não funcionam mais. Precisam ser injetados de dinheiro naquilo que realmente importa, naqueles que realmente compartilham informações corretas, compartilham informações verídicas, que estão preocupados realmente com essas questões sociais.

Hoje vemos grandes influenciadores alertando sobre o Marajó de forma equivocada e cheia de viés. Acredita que exista uma mensagem de preocupação real ou uma manipulação por trás?

Bom, eu acredito nas duas coisas. Eu acredito que sim, existem pessoas que realmente ficam preocupadas porque acabam entrando nesse efeito manada e se preocupam com aquilo que está acontecendo e acabam não fazendo o dever de casa, que é fazer a pesquisa. Mas também acredito que existem pessoas que estão ali simplesmente por like, simplesmente porque foi injetado dinheiro e eles vão lá e impulsionam, não estão preocupados necessariamente com uma questão social, estão mais preocupados com a autopromoção, tão preocupados em serem colocados no lugar de “tá vendo como eu me preocupo, tá vendo como eu sou engajado”, e se perde aquela ideia de responsabilidade social. A gente está falando de influenciadores. São criadores de opinião, influenciam pessoas e as pessoas precisam começar a ter responsabilidade sobre o poder que ela tem nas mãos, que é com a internet. A gente tem seguidores, muitas delas nem nos questionam. Nós vivemos em um país onde existe um déficit de pessoas a se admirar, então quem tem uma visibilidade um pouquinho maior, ganham uma importância naquilo que fala muito grande, e às vezes as pessoas não têm dimensão do poder que elas têm. Outras vezes têm que fazer isso de propósito para poder alcançar esses lugares, para serem colocados em cadeiras de importância, ou seja, buscam por likes. Porque, na verdade, aquilo não atinge diretamente.

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