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Os museus são instrumentos de comunicações fundamentais quando o assunto é cultura

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Texto: Reinaldo Calazans

A difusão é a porta de entrada principal para os diferentes públicos ocuparem estes lugares e transmitir conhecimento através da arte. A Pinacoteca de São Paulo tem feito isso com a exposição: “Entre a cabeça e a terra: arte têxtil tradicional africana”.

Por anos os tecidos africanos ficaram longe das exposições. Existe um conjunto de obras lindas, realizadas por vários artistas de diferentes países do continente africano.

São sete salas que disponibilizam uma viagem a cultura têxtil, neste cenário tem 129 peças, cada qual carrega sua característica. A exposição é uma imersão, uma verdadeira viagem ao mundo de cores e detalhes.

Os curadores Renato Menezes e Danilo Lovisi, articularam com diversas lideranças em várias regiões, trabalho fundamental para essa precisão de saberes, detalhes e a prática das produções.

A exposição tem parceria com a Fondation Jean-Félicien Gacha, sediada em Bangoulap, no Camarões. Não dá para ficar de fora.

Confira algumas imagens da exposição:

A jornada solitária de ser o preto único nas organizações

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Foto: Carlos Della Rocca

Texto: Rachel Maia

Temos falado continuamente sobre a importância de reverberar práticas de inclusão para que profissionais negros tenham acesso a uma vida laboral mais humana e produtiva, uma vez que a cor da pele ainda seja pauta para este tema. Vemos também que tem aumentado à admissão de pessoas negras nos cargos de alta gestão. No entanto, os números ainda não correspondem à sociedade brasileira.

Com isso, temos o que podemos chamar de ‘preto único’ que coincide ao que enxergamos na estrutura social do nosso país, já que apenas 4,7% das lideranças femininas negras (recorte para este artigo) segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) condizem com a realidade das 500 maiores empresas do Brasil.

Flávia Martins faz parte dessa força histórica que tem um significado ancestral na luta contra a segregação do povo negro. Ela também é da geração em que o acesso ao ensino superior, plano de carreira e bens de consumo não eram assuntos para pessoas pretas. Graduada em comunicação social pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP) em 1999, pós-graduada em marketing pela Escola Superior de Propaganda & Marketing (ESPM) em 2006 e com especialização em Marketing Analytics em Harvard em 2024. Flávia é o retrato do percurso exaustivo e de resiliência de uma profissional negra que acredita que o conhecimento, aliado ao acesso, relacionamento e compromisso de toda uma sociedade, pode mudar o sistema que hoje ainda é regido por marcadores, que são exemplificadas na carreira e no sentimento de pessoas negras que chegaram lá.

“Meu maior desejo é que eu seja a última primeira, porque isso vai ser a certeza de que muitas outras já chegaram. Meu maior desejo é que essa dor que preenche a alma no lugar do orgulho resultante da conquista, não seja repassado ao DNA de minha descendência. O acolhimento de ver várias pessoas iguais na sala, ocupando essas cadeiras é a melhor sensação que pode existir. Que esse sentimento reverbere, enquanto formos poucas, formando um manto de proteção e força para que persistam nessa jornada ainda tão solitária.”

Sua trajetória exemplifica o que resulta do acesso à educação e empregabilidade, algo que ainda não é a realidade de todos. Atualmente ocupando o cargo de CMO – Chief Marketing Officer e Diretora de Engajamento do Pacto Global da ONU – Rede Brasi, responsável pelas áreas de marketing, comunicação, eventos, CRM e UX – User Experience, e com quase 30 anos de experiência em gestão de marketing e comunicação, ela é considerada – para os padrões da sociedade – como uma profissional de sucesso; o que a coloca em lugar de destaque quando comparada a outras.

A pesquisa apresentada pelo ranking Étnico-Racial do GPTW de 2023 expõe dados que evidenciam o sentimento de Flávia e de muitos outros profissionais, como a advogada Juliana Souza — autora do artigo publicado em 2023, intitulado A última primeira: cabem quantas de nós na arena do protagonismo? — nós concordamos que as empresas precisam estar engajadas em uma mudança efetiva e que a liderança de diversidade entenda, de fato, sobre as questões raciais, de modo que o fomento à educação de qualidade e ao conhecimento chegue à totalidade da população, considerando a equidade como ponto-chave para essa inclusão.

Voltando para a pesquisa, GPTW, que disponibiliza para as empresas um selo de acordo com suas práticas de diversidade desde 2017, só em 2018 contemplou o ranking Étnico-Racial, com a participação de 110 empresas. Neste ano foram apresentados os dados de 2023 que já contabilizam 331 empresas participantes. Percebam: um aumento de mais de 300%. Tenho falado insistentemente que é importante verbalizarmos sobre as mudanças que queremos para que as ações sejam concretizadas, e os resultados mostram que estamos no caminho certo.

Tenho em comum com a Flávia, assim como com tantas outras colegas, a esperança, que vem repleta de condutas para abrir portas para as novas gerações. Nossos saberes são multiplicados quando compartilhados, e é nisso que nos empenhamos – propiciar oportunidades para que o acesso ao protagonismo tenha novas faces.

Livro do antropólogo Ari Lima analisa relações raciais em Paris e desafios dos descendentes de imigrantes

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Foto: Divulgação

O antropólogo baiano Ari Lima lança no próximo dia 17 de setembro o livro Cadernos de Paris – Ensaios sobre a condição negra na cidade luz. O evento ocorrerá no Centro de Estudos Afro-Orientais, em Salvador, às 18h, com entrada gratuita. A obra oferece uma análise detalhada das nuances que diferenciam e assemelham a experiência dos descendentes de africanos e migrantes na capital francesa com aqueles que residem em outras partes do mundo.

Ari Lima, conhecido por sua pesquisa sobre música e cultura negra, utiliza sua experiência acadêmica para explorar a realidade racial em Paris, uma cidade que, apesar de seu papel na formação dos estudos sobre relações raciais e cultura negra, frequentemente reluta em reconhecer suas próprias desigualdades sociais. “Achei interessante pensar sobre o contexto francês, porque os pesquisadores franceses foram importantes na formação desse campo de estudos sobre relações raciais e cultura negra no Brasil. E também descobri que, de modo geral, eles se recusam a reconhecer que existe desigualdade social, que existe exclusão, que existem mecanismos distintos do sujeito se constituir como cidadão”, conta.

No livro, publicado pela editora Cajuína, Lima descreve três grupos principais identificados em sua pesquisa: imigrantes africanos, filhos de imigrantes que já se naturalizaram franceses, e descendentes de africanos escravizados nas Antilhas. Durante sua estadia de um ano em Paris, entre 2018 e 2019, Lima investigou como a questão racial e a desigualdade se manifestam na cidade. Ele observa que, embora a França tenha iniciado um processo de acolhimento de imigrantes negros no século XX, esse acolhimento se deu principalmente como resposta à escassez de mão de obra pós-guerras mundiais. Nas décadas seguintes, a ascensão da extrema-direita e a retórica de “recompor a França para os franceses” geraram tensões raciais, exacerbadas por políticas que frequentemente questionam a identidade dos descendentes de imigrantes.

Além das questões políticas, Lima destaca uma rejeição cultural por parte de alguns segmentos da população francesa, que vêem os costumes e tradições dos descendentes de africanos e imigrantes com desdém. Ele compara as vivências nas áreas suburbanas de Paris a bairros populares em Salvador, ressaltando semelhanças no modo de vida, como o comércio informal e o estilo de comunicação.

“O livro busca entender como as questões raciais e a desigualdade racial se constituem no contexto parisiense, que é simultaneamente globalmente relevante e paradoxalmente relutante em enfrentar suas próprias contradições,” explica Lima.

O futuro da moda: Como a IA está transformando o processo criativo e comercial

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Foto: Divulgação/Rogger Cordeiro

A Inteligência Artificial (IA) está transformando profundamente o setor da moda, desde a criação de produtos até o marketing e vendas. Para muitas marcas, a tecnologia tem se mostrado uma ferramenta indispensável, proporcionando novos métodos de produção e aumentando a eficiência em diversas etapas do processo criativo e comercial.

Em um setor que valoriza tanto a inovação quanto a tradição, a IA vem se estabelecendo como uma aliada poderosa. Grandes marcas, como Gucci e Dior, têm investido em tecnologias avançadas para aprimorar suas coleções e oferecer novas experiências aos consumidores. Ferramentas como Pareto, MidJourney e The Fabricant permitem que designers experimentem novas ideias, criando roupas digitais e aprimorando a estética de suas coleções.

Gabriel Massan, artista carioca radicado em Berlim, é um dos nomes que se destaca ao utilizar a IA para explorar novas formas de expressão artística no mundo da moda. Em colaboração com estilistas como Lucas Leão, com quem desenvolveu estampas utilizando recursos digitais para as peças da coleção que estreou no São Paulo Fashion Week, Massan vem desenvolvendo esculturas digitais, realidade virtual e hologramas que desafiam os limites do que conhecemos como moda. Seu trabalho, que mistura arte, tecnologia e moda, já foi exibido em locais como Viena, Londres e agora, pela primeira vez, no Brasil.

A exposição “Terceiro Mundo – a dimensão descoberta”, de Gabriel Massan, marca a estreia do artista carioca na Pinacoteca de São Paulo, que estreia no dia 31 de agosto, trazendo ao Brasil parte das criações que já conquistaram a atenção internacional, inclusive da Rainha do Pop, Madonna, que incorporou as esculturas digitais e conceitos artísticos de Massan em suas produções visuais e apresentações

Entretanto, a adoção da IA na moda não vem sem desafios. Questões éticas, como direitos autorais e privacidade de dados, estão no centro dos debates sobre o uso dessas tecnologias. Além disso, há preocupações sobre o impacto da IA no emprego dentro da indústria. Especialistas alertam que, embora a IA possa automatizar tarefas e aumentar a eficiência, ela não deve substituir a criatividade e o olhar crítico dos profissionais humanos.

Esse conteúdo é fruto de uma parceria entre Mundo Negro e Instituto C&A.

Liderança na cultura africana e a força da superação das diversidades

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Foto: Divulgação

Texto: Nalva Moura

Na cultura africana, a liderança é mais do que uma posição; é uma responsabilidade que transcende o indivíduo e fortalece o coletivo, respeitando as tradições comunitárias e religiosas que permeiam o cotidiano. É um elo vital que une o passado, o presente e o futuro, moldando a identidade e o espírito da comunidade.

Em maio deste ano, tive a honra de vivenciar uma experiência inesquecível com Sébastien Kiwonghi. Um homem da República Democrática do Congo, cuja presença irradia sabedoria e força. Ele nos guiou através de uma bênção ancestral, compartilhando sua inspiradora trajetória profissional. Foi um encontro cheio de significado, onde o passado e o presente se encontraram em um momento de profunda conexão e revisitação do continente africano.

Ao iniciar o encontro, a tradição foi enaltecida. Todas as mulheres presentes foram convidadas a levantar as mãos acima da cabeça de Sébastien, formando uma coroa de proteção e força ao redor dele para que tivesse sabedoria ao compartilhar as informações. Esse gesto espiritualizado, reconectou as participantes ao nosso país de origem. O canto ecoava em nossos corações e nos remetia a um ritual de união e apoio comunitário.

Sébastien nos conduziu por uma jornada visual e emocional, mostrando fotos de seu país e explicando o valor da família. Ele ressaltou a importância da educação como uma arma poderosa contra o racismo e as desigualdades socioeconômicas. Com sensibilidade, ele nos levou por sua infância, juventude, vida religiosa, carreira e a experiência de imigração para o Brasil.

Explorar a história de vida de Sébastien, um africano poliglota que domina oito idiomas e sentiu na pele o peso do racismo no Brasil, foi uma imersão profunda e que gerou muitas reflexões, pois sua narrativa trouxe à tona as cicatrizes do período de escravização, mas também celebrou a resiliência e a resistência dos ancestrais. Foi uma lembrança pungente da tradição oral e da importância de continuar lutando pela justiça e igualdade.

Sébastien é uma liderança negra, mas, para chegar onde está, teve que superar dificuldades e enfrentar  desafios em todas as etapas de sua vida. Hoje, o Professor Dr. Sébastien Kiwonghi está na Pró- Reitoria de Intercâmbio e Internalização da Faculdade Dom Helder.

“Sou a voz dos excluídos que se faz presente na inclusão e na busca de direitos para a promoção de relações étnico-raciais. Jamais fugirei da luta!” Sébastien Kiwonghi.

Essa experiência me conectou com a herança dos meus próprios antepassados e mais uma vez, me  chamou à reflexão. Aproveitei o momento para revisitar a minha história de liderança.

Comecei a construir a minha liderança muito nova, ainda na escola, enquanto representante do grêmio estudantil e atuando como catequista e educadora, representando a liderança negra da comunidade onde estava inserida.

Em meu primeiro emprego, idealizei o desfile “Beleza Negra”, pensando na valorização da autoestima das mulheres negras que trabalhavam na “firma” (linha de produção) e entendendo a potência deste movimento.

Em minha atuação no terceiro setor, liderei equipes e projetos de desenvolvimento de juventudes, atuando enquanto articuladora dentro do movimento negro e garantindo a prática da educação antirracista, trazendo dignidade para juventude periférica e oportunidades humanizadas. Ainda dentro da liderança comunitária, ganhei repertório para aplicar o meu conhecimento em outros contextos.  Foram mais de 10.000 jovens impactados diretamente por estes projetos. Nessas experiências, pude alinhar o meu conhecimento ao desenvolvimento de pessoas e contribuição para o projeto de vida.

Nos últimos anos, enquanto liderança de projetos de aceleração de carreira e de desenvolvimento de mulheres pretas, tenho executado muitos processos de mentorias, onde não apenas desenvolvo mulheres para alta performance, mas também resgato diariamente a minha trajetória, na perspectiva de fortalecê-las, de gerar autoconsciência, resiliência e empoderamento, para romper a invisibilidade, garantir a manutenção das posições, nas empresas que elas quiserem e influenciarem o futuro do trabalho. O impacto desse trabalho? Mais de 1.000 mulheres que mudaram suas vidas e estão transformando realidades. Estamos construindo redes de mulheres potentes.

Depois de revisitar minha história e de gerar as fotografias em minha cabeça, de cada um destes momentos, pensei, UAU! Quantas coisas incríveis eu já fiz, quantas histórias eu tenho, quantas vidas impactei.

Muitas vezes, nós mulheres, nos sabotamos. Mulheres pretas ainda mais! Mas, não tenho deixado a impostora se sobressair.

Tenho clareza que só fui capaz de liderar todas essas frentes e pessoas, pois tive empatia, escuta ativa, seriedade e principalmente fui fiel à minha essência, aos meus ancestrais, aos meus pais, filhos e minha família.

Retomando ao ritual conduzido por Sébastien, que se aproximava do fim, foi feita uma roda mística, em que a energia e sensibilidade coletiva estava muito aflorada. Neste momento, fui homenageada pela liderança do programa do Pacto Transforma. E naquele momento gerei uma nova fotografia para guardar em minha galeria de momentos importantes relacionados à liderança.

Hoje, me considero uma liderança de impacto que vem trabalhando incansavelmente para continuar escrevendo uma história da qual minha família e todas as pessoas amigas que convivem comigo se orgulhem.

Nós, negros e negras, somos lideranças natas, fortalecemos a nossa identidade em contato com a nossa história e estamos prontos para jornada de combate e construção de uma sociedade menos racista, mais inclusiva e justa.

Sébastien, obrigada por essa linda experiência.

Afropessimismo: Uma teoria desconectada da realidade brasileira?

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Foto: Divulgação

É importante analisar criticamente as teorias negras que chegam ao Brasil, especialmente as provenientes dos Estados Unidos. Algumas delas podem não se alinhar com a nossa própria realidade intelectual e social. Uma dessas teorias é o afropessimismo, elaborada no livro homônimo de Frank B. Wilderson III. O afropessimismo é uma teoria crítica que analisa os efeitos contínuos do racismo, colonialismo e escravidão na vida dos negros, vendo a negritude como uma condição de “morte ontológica” e posicionando os negros como inimigos internos da sociedade civil.

Embora essa ideia pareça se alinhar com a intelectualidade brasileira, como os escritos de Abdias Nascimento sobre a opressão sistêmica do racismo, uma análise mais aprofundada revela que o afropessimismo nega os avanços e conquistas dos povos negros brasileiros e latino-americanos, desconsiderando a realidade social desses indivíduos. Portanto, é necessário ter cautela ao importar teorias negras de outros contextos, pois elas podem não refletir adequadamente a experiência dos negros no Brasil.

Em uma das respostas de sua entrevista para a Folha de São Paulo em 2021, Whindersson III acabou evidenciando como o Afropessimismo é totalmente desconectado da realidade Brasileira. Eu quero destacar aqui uma parte importante dessa entrevista.

FOLHA: No início do mês, uma mulher negra que estava grávida morreu baleada durante uma ação policial em uma favela no Rio de Janeiro. Essa morte ilustra a sua afirmação de que pessoas negras não são vistas como pais, mães, filhos de alguém?

WILDERSON III: Sim. Até 1865, a negritude era escravizada nos Estados Unidos. Aí houve uma guerra civil, emancipação, e as pessoas passaram a andar “livres”. Como a interpretação psíquica a respeito das pessoas negras poderia ter mudado da noite para o dia? Que evidências existem para sugerir isso? As pessoas me dizem: “prove”. Eu digo: “Não, você prove o oposto”. Você me prove que uma guerra aconteceu, correntes foram retiradas e, do nada, negros passaram a ser vistos como cidadãos e não como recursos. [https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2021/06/negros-nao-sao-vistos-como-humanos-mas-objetos-diz-autor-de-afropessimismo.shtml]

Essa é uma resposta escandalosa para um autor, pois trouxe uma perspectiva desleixada sobre a história, sugerindo que a psique negra não foi modificada nem pela própria ação histórica. Além disso, sabemos que o Brasil não vivenciou uma guerra civil com emancipação como foi a Estadunidense, mas sim diversas revoltas regionais e uma abolição gradual, que durou quase um século.

Nesse processo, houve intensa participação negra, com a formação de quilombos e movimentos como os Malês, Palmares e do Dragão do Mar. Sem contar como as matrizes africanas resistiram e mantiveram suas conexões ancestrais, deixando marcas profundas na identidade nacional brasileira. Dessa forma, o afropessimismo desconsiderado essa realidade mais ampla e diversa, caindo em uma abordagem simplista e centrada apenas no contexto norte americano.

Vários críticos internacionais apontam esse achatamento da história negra promovido pela visão do afropessimismo, que o Whindersson condensou na frase “Nós sugerimos que a escravidão é uma dinâmica racial que não terminou“.  Destaco o Prof. Michael C. Dawsonde de Ciência Política na Universidade de Chicago e diretor fundador do seu Centro de Estudos de Raça, Política e Cultura:

Eles subestimam as conquistas das lutas pela liberdade negra. Até a própria biografia de Wilderson é um testemunho de mudanças críticas na experiência negra nos EUA. As mudanças positivas que são omitidas no trabalho de muitos afropessimistas — como a formação da moderna sociedade civil negra e uma grande expansão de uma política negra robusta e frequentemente revolucionária — servem para apagar as lutas frequentemente heróicas dos ativistas negros; lutas que muitas vezes falharam tragicamente em trazer progresso substancial, mas que também às vezes alcançaram vitórias na luta pela libertação negra.” [https://www.ideology-theory-practice.org/blog/against-afropessimism

Afropessimismo ou Lélia Gonzalez

Angela Davis já alertou para a necessidade de olhar para a intelectualidade Negra Brasileira, principalmente de mulheres como Lélia Gonzalez. O afropessimismo contrasta com a visão de Lélia sobre a identidade negra, Lélia era bastante consciente de como alguns autores estadunidenses mantinham essa abordagem centrada em si mesmos, segundo que Lélia trouxe pro centro da discussão o impacto cultural que as mulheres pretas e indígenas tiveram na construção das nossas identidades, da própria língua, inclusive, sem cair no pessimismo nilista que tira a existência negra da própria história humana.

A construção da identidade proposta por Lélia, chamada de Amefricanidade, nasce de uma proximidade direta com os povos nativos da floresta, os ameríndios. Considerando também o peso da opressão sobre sua existência. Enquanto o afropessimismo encara os povos indígenas como uma parte do sistema anti-negro e parceiro da opressão supremacista contra descendentes de africanos. 

Na mesma entrevista o Whindersson afirmou “A coalizão multirracial impõe uma certa limitação acerca do que é permitido falar” e em sua obra ele encara que a luta central do mundo é dos brancos e seus “parceiros juniores” não brancos contra todos os negros, não importa sua posição.

O que ele chama de “parceiros juniores” é praticamente todas as comunidades não brancas do mundo, da asiática, a palestina, indiana, latina e etc. Porque basicamente sua leitura de mundo é formada apenas pelos negros e o sistema anti-negro. Não é incomum você encontrar afropessimistas atacando outras minorias nas redes sociais, principalmente a comunidade LGBTQIA+, que pra afropessimistas são um dos maiores aliados do sistema anti-negro global. 

Quem critica esse ponto de maneira punjante é a Gloria Daisy Wekke,  afro-surinamesa, professora  e escritora que se concentrou em estudos de gênero e sexualidade na região e diáspora afro-caribenha. Ela foi a vencedora do Prêmio Ruth Benedict da American Anthropological Association em 2007

A facilidade com que Wilderson agrupa todos os outros que não são negros, sem aplicar nenhuma diferenciação, é surpreendente. Os brancos e seus parceiros juniores, que são subordinados e desfavorecidos, mas pertencem à humanidade, fizeram causa comum entre si em sua negrofobogênese, ou negrofobia. Com essa declaração, fica claro mais uma vez que Wilderson não pensa interseccionalmente, mas em termos singulares. Como é possível pensar sobre todas essas categorias de pessoas sem considerar as sobreposições entre elas? (-[https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/7982355/mod_resource/content/0/wekker-2020-afropessimism_review.pdf

Enquanto Wilderson e outros afropessimistas trabalham com a demonização da interseccionalidade, Lélia foi reconhecida como uma das primeiras intelectuais a trabalhar de maneira sistemática com o feminismo interseccional no Brasil. Ela analisou os fenômenos sociopolíticos que afetam a comunidade negra, destacando como as opressões de gênero e raça se entrelaçam e impactam a vida das mulheres negras da América-Latina, configurando a identidade que chamou de amefricanidade: 

Cabe aqui um dado importante da nossa realidade histórica: para nós, amefricanas do Brasil e de outros países da região – assim como para as ameríndias – a conscientização da opressão ocorre, antes de qualquer coisa, pelo racial. Exploração de classe e discriminação racial constituem os elementos básicos da luta comum de homens e mulheres pertencentes a uma etnia subordinada. (GONZALEZ, 1988)

Em vários textos da autora você consegue perceber as conexões entre povos ameríndios e amerficanos, como povos oprimidos pela colonização européia e a visão de que os ameríndios, principalmente as mulheres ameríndias, seriam parceiras da opressão anti-negro, como proposto pelo afropessimismo do Wilderson não encontra fundamentos aqui. No ensaio “Por um feminismo afro-latino-americano”, Lélia escreveu:  “tentarei mostrar que, dentro do movimento de mulheres, as negras e indígenas são o testemunho vivo dessa exclusão. “

Um movimento despolitizante

Após considerar qualquer movimento histórico negro, inerente a agenda anti-negra e sem qualquer influência e resultado na condição do negro em ser um eterno escravizado, cercado de inimigos e grupos que reforçam a agenda anti-negra, o que resta ao pensamento negro mundial?

Como apontam alguns críticos essa análise extremamente simplificada do mundo deixa bastante turva a observação dos fatos, mantendo um relato falho da relação entre a opressão negra, a supremacia branca e o capitalismo. Sem enxergar esses aspectos como eles são no mundo, o afropessimismo, assumido como pensamento de mobilização, se torna uma ideologia despolitizante.

Na prática, como citei acima, é muito possível ver que a energia de afropessimistas estão mais concentrados em combater os grupos minoritários considerados antinegros, do que na própria supremacia branca, afinal, para eles a posição histórica definida pela supremacia é insuperável e sempre será.  

Escute a conversa sobre isso no episódio do Infiltrados No Cast para saber mais sobre relatos e comentários de afropessimistas. 

Exposição na Pinacoteca de São Paulo revela técnicas ancestrais da arte têxtil africana

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Foto: Acervo Maison Gacha e Fondation Jean-Félicien Gacha

A Pinacoteca de São Paulo estreia neste sábado, 31, a exposição “Entre a cabeça e a terra: arte têxtil tradicional africana”, que ocupa sete salas do edifício Pinacoteca Luz. A mostra, realizada em colaboração com a Maison Gacha, de Paris, e a Fondation Jean-Félicien Gacha, de Bangoulap, no Camarões, apresenta 129 peças que oferecem um olhar diverso sobre o continente africano, com ênfase em suas tradições e contribuições artísticas. A exposição permanece em cartaz até 2 de fevereiro de 2025, com entrada gratuita aos sábados.

Com curadoria de Renato Menezes e Danilo Lovisi, a exposição destaca as práticas têxteis de diferentes povos africanos, trazendo ao Brasil um conjunto inédito de obras que exploram ritos e cosmogonias através de materiais e técnicas ancestrais. A mostra se propõe a reconfigurar as percepções sobre África, apresentando-a como um continente de vastos saberes e sofisticação artística.

O percurso expositivo inclui máscaras, túnicas, adornos, tecidos bordados e tingidos, além de estatuetas, que ilustram a riqueza dos artesanatos africanos. Um dos destaques é o conjunto de mais de 20 máscaras-elefante bordadas com contas de vidro multicoloridas, utilizadas pelos Bamileké, do Camarões, em celebrações e rituais.

A exposição também explora a relação entre a produção têxtil e as identidades coletivas, evidenciando como os processos artesanais, que podem levar meses para serem concluídos, são transmitidos de geração em geração. Os visitantes poderão compreender o valor simbólico dessas peças, como o tecido ndop camaronês, tradicionalmente usado por reis e figuras notáveis.

SERVIÇO

Entre a cabeça e a terra: a arte têxtil tradicional africana  

Edifício Pinacoteca Luz (7 salas) 

Período: 31.08.2024 a 02.02.2025

De quarta a segunda, das 10h às 18h (entrada até 17h)

Gratuitos aos sábados – R$ 30,00 (inteira) e R$ 15,00 (meia-entrada), ingresso único com acesso aos três edifícios – válido somente para o dia marcado no ingresso

Quintas-feiras com horário estendido B3 na Pina Luz, das 10h às 20h (gratuito a partir das 18h)

Café Quilombo: marca resgata identidade e homenageia Tereza de Benguela e Dandara dos Palmares

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Fotos: Divugação

Enquanto muitas marcas de café exaltam figuras italianas, Danilo Negrete fundou uma marca de café que homenageia personalidades negras como Tereza de Benguela e Dandara dos Palmares, promovendo o protagonismo negro usando o produto para espalhar conhecimento sobre a ancestralidade preta.

Após deixar sua carreira no setor financeiro, Danilo, fundador e diretor de operações da marca Café Quilombo, decidiu abrir uma loja virtual que vendia produtos brasileiros. Entre azeite de dendê, chocolate, cachaça e café, foi o café que rapidamente se destacou em vendas.

Reconhecendo o sucesso do produto, Danilo aceitou o convite de um fornecedor para representar a Café Quilombo. Assim, começou a vender os produtos de porta em porta para empórios e cafeterias, e aprofundar seus conhecimentos sobre o café. “No meio desse estudo descobri que o café era um produto de origem africana, que veio do continente africano, que o Brasil se transformou na maior economia cafeeira do mundo por conta da mão de obra escrava. E por mais absurdo que pareça neste mesmo mercado, o negro estava pouco inserido. Comecei a perceber que a população negra estava em posições periféricas dentro desta economia”, explica.

Durante a pandemia, inspirado pelo livro “Escravidão” de Laurentino Gomes, Danilo se sentiu tocado e inconformado, buscando uma forma de fazer a diferença. Foi então que surgiu a ideia da Café Quilombo. “Ao analisar os custos e a margem de lucro do café, percebi o potencial, mas faltava um nome que chamasse atenção. Inspirado pela história da população negra e pela minha própria jornada de autodescoberta, escolhi o nome CAFÉ QUILOMBO. Assim, deixei de representar a empresa do meu amigo e comecei a vender o meu próprio café, movido pela determinação e paixão”, diz.

Outro diferencial é o uso dos grãos Robusta ou Conilon, que atraem os conhecedores de café, os Coffee Lovers. Durante muito tempo, esse grão foi marginalizado, mas a Café Quilombo escolheu o robusta por sua resistência e características que refletem a identidade do povo: forte, intenso e resiliente.

“Escolhemos o robusta não só pelo motivo de ser um produto pouco comercializado no nosso país, mas porque ele tem a nossa identidade. O robusta é resistente a pragas, mais pesado, forte, intenso… tudo que é característico do nosso povo. A sinergia é total. Além disso, nossos cafés foram e são desenvolvidos para atender o consumidor que está insatisfeito com o café tradicional e não se identifica com o paladar dos cafés com acidez e doçura”, afirma o fundador da marca.

Comprometida com o desenvolvimento de ESG, no qual o principal pilar é o protagonismo negro, a marca está preocupada e alinhada com as oportunidades de negócios e trabalho com equivalência de gênero. Na sustentabilidade é uma empresa de baixo impacto ambiental.

“Escolhemos em usar o grão (robusta) devido à  baixa necessidade de agrotóxico, e trabalhamos com fazenda em diversidade de cultivo, fugindo assim da monocultura, além disso nossa principal ação é a doação mensal de árvores para contribuir no combate ao aquecimento global”, explica Negrete.  No que tange a governança, a Café Quilombo não se esconde atrás da tipologia jurídica. “Ser uma empresa atualmente de pequeno porte, não nos isenta das nossas responsabilidades fiscais, sendo sempre transparente e de acordo com nossos clientes, fornecedores e parceiros”, salienta o fundador da marca.   

A Café Quilombo tem como meta para 2024 consolidar sua presença no varejo, especialmente no Carrefour, rede de hipermercados que a marca tem parceria desde novembro de 2023, apresentando números de vendas relevantes.

Atualmente, a Café Quilombo está investindo em degustações, promotorias e performance de vendas. A marca está presente em nove lojas da rede, 90% delas na capital paulista, com dois produtos: Tereza e Dandara, ambos moídos e em embalagens de 250g. A meta é chegar a 15 lojas na capital até o final do ano.

Para compras na loja online, os valores variam entre R$19,90 e R$ 96. Clique aqui!

Trabalhadores negros deixam de receber R$ 103 bilhões por mês devido à desigualdade racial, diz estudo inédito

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Foto: Freepik

Um estudo inédito calculou quanto custa a desigualdade racial no Brasil. De acordo com o levantamento, trabalhadores negros deixam de receber R$ 103 bilhões por mês devido à desigualdade, sendo R$ 14 bilhões atribuídos exclusivamente ao racismo. As diferenças restantes dos salários são associadas a outros fatores, como educação, tipo de emprego e local de moradia.

Do montante da massa salarial perdida, R$ 61,67 bilhões deixaram de ser recebidos pelos homens negros e R$ 41 bilhões pelas mulheres negras.

Os dados foram levantados pelo estudo “O custo salarial da desigualdade racial”, lançado nesta quinta-feira, 29, pelo Núcleo de Estudos Raciais do Insper (NERI), do Insper, a partir da PnadC (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua).

Os economistas calcularam qual seria a soma de todos os rendimentos dos profissionais negros caso recebessem salário igual aos brancos, com o mesmo nível de empregabilidade. levando em consideração as vagas, informais e outras modalidades de trabalho, como os que atuam por conta própria, e pessoas fora do mercado de trabalho, com idades entre 25 a 65 anos.

O salário médio de homens negros sendo comparado entre o segundo trimestre de 2023 e o mesmo período de 2024, é 42% menor que o de brancos (R$ 2.858 ante R$ 4.956). Entre as mulheres, essa diferença é de 40% (R$ 2.278 ante R$ 3.813).

O estudo contou com o apoio da Open Society Foundations e foi realizado pelos pesquisadores Alysson Portella, Michael França e Rodrigo Carvalho.

Fonte: Folha de S. Paulo (Leia matéria completa aqui)

Taís Araújo propõe leitura mensal e convida seguidoras a ler “Eu Sei Por Que o Pássaro Canta na Gaiola”, de Maya Angelou

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Foto: Reprodução/Instagram

A atriz Taís Araújo iniciou um movimento muito importante nas redes sociais. Em um vídeo no Instagram, a artista convocou suas seguidoras para ler um livro por mês e escolheu o título “Eu sei porque o pássaro canta na gaiola”, escrito pela poetisa norte-americana Maya Angelou para começar sua empreitada: “Ao invés de ficar no celular antes de dormir, vamos pegar um livro para ler 15 minutinhos por dia. O quanto você conseguir, se você conseguir ler 2 páginas, 5 páginas, 10 páginas, 20 páginas”, destacou.

O livro conta a história da própria Maya, nascida Marguerite Ann Johnson, e traz passagens de sua vida, crescendo como uma garota negra que foi criada pela avó paterna no sul dos Estados Unidos. A partir de suas próprias experiências, muitas delas dolorosas, das descobertas que fez sobre sua família, sobre o mundo e sobre si mesma enquanto crescia, Maya traz uma história densa que também fala sobre liberdade.

“Leitura é uma forma de empoderamento para gente, ela abre portas e desencadeia uma transformação de dentro pra fora (…) a leitura é sim um momento de auto cuidado”, escreveu Taís Araújo na publicação. Além de propor um livro por mês, Taís convidou o público a comentar as leituras em seu canal de transmissão do Instagram, chamado Baixo  Méier, em referência ao bairro onde nasceu.

A atriz ainda destacou a importância de ter lido determinadas autoras e como se tornou “uma mulher melhor” depois das leituras: “Eu posso dizer que depois que eu comecei a ler muito como eu leio hoje, a minha vida se transformou. Depois que eu li determinadas autoras então, acho que virei uma mulher muito melhor, consciente de quem eu sou no mundo e, melhor, de quem eu quero ser no mundo”.

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