Prestes a completar 10 anos do projeto Baile Black Bom, que nasceu no quilombo Pedra do Sal, no Rio de Janeiro, o Mundo Negro entrevistou os idealizadores e rappers Anthônio Consciência e Sami Brasil para falarem sobre a história do baile, a potência do evento para a população negra, momentos marcantes e os desafios persistentes para produtores culturais negros.
“O Baile Black Bom nasce no propósito de ser um movimento de celebração da nossa cultura, estética, beleza, como eram nos bailes dos anos 70, do movimento Black Rio e Black Power, esses lugares de encontro onde a gente pode se ver em todos os lugares, onde podemos ser quem somos, usar os nossos cabelos, roupas, músicas. Mas também de ser um lugar político, de ativismo”, conta Sami Brasil.
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Uma boa notícia para quem mora em São Paulo: o tradicional Baile Black Bom desembarca na capital paulista, neste sábado (25), no Galpão ZN, a partir das 15h para trazer o melhor do black music. “Quando a gente faz evento em São Paulo, grupos de dança de outras cidades são muito carente de eventos assim, pessoas da Baixada Santista, Limeira, Barueri, ver a gente”, diz Anthônio Consciência.
Leia a entrevista completa abaixo:
Quando vocês iniciaram o projeto na Pedra do Sal, o local escolhido teve uma importância de mensagem para passar à comunidade negra?
Sami Brasil: Com certeza! O quilombo Pedra do Sal para a gente tem uma importância fundamental no propósito do Baile Black Bom que nunca foi fazer só música, nunca foi só entretenimento. Eu e Anthônio temos a banda Consciência Tranquila há mais de 20 anos, sempre nos fundamentos do hip hop, e o Baile Black Bom nasce no propósito de ser um movimento de celebração da nossa cultura, estética, beleza, como eram nos bailes dos anos 70, do movimento Black Rio e Black Power, esses lugares de encontro onde a gente pode se ver em todos os lugares, onde podemos ser quem somos, usar os nossos cabelos, roupas, músicas. Mas também de ser um lugar político, de ativismo. Então o baile nasce em 2013 já com outras plataformas, a gente vinha com a banda ao vivo, trazendo os grandes clássicos dos anos 70, com uma feira de afroempreendedores. Nessa época ainda não tinham tantas feiras como se tem hoje. A gente tinha telas, apesar da estrutura precária, sem palco, mas a gente fazia questão de ter. Eram duas TVs onde a gente colocava ali algumas frases de impacto, celebrando a cultura, a beleza, algumas frases de grandes personagens da cultura Negra. A cada mês a gente celebrava uma data de acordo com o calendário do movimento negro, os personagens da região como Pixinguinha, Machado de Assis, Tia Ciata, outros nomes não tão difundidos. Conforme a gente conheceu a região, um pouquinho antes do baile começar ali, a gente tava encantado com a região, foi nesse momento de redescoberta do Cais de Valongo, com as obras do Porto Maravilha, que o movimento negro já falava muito antes, que existia, mas quando veio à tona e aconteceu muitas coisas, seminários e tal, a gente começou a frequentar. Então o baile se tornou realmente esse movimento que para além de ser só uma festa, a gente trazia muito no microfone, citava as pessoas a se apropriarem do local. A partir desse momento, que se revitalizou a região, houve uma gentrificação e apropriação dos espaços. Continua ativo até hoje, então foi fundamental a gente ali naquele momento, muito firmado ali, muito embasado juntos aos mais velhos do movimento negro também, fazendo a nossa militância através da nossa arte, usando a música como uma ferramenta muito eficaz para trazer a nossa juventude e os nossos mais velhos para celebrar, unindo esse encontro de geração.
Então para a gente, o quilombo Pedra do Sal, a região da Pequena África, tá muito além do lugar onde começa o trabalho do Baile Black Bom, é para gente um lugar que eles têm um carinho, uma ligação ancestral, um lugar que a gente tem um compromisso muito grande. Tanto que mesmo hoje, 10 anos depois do baile, ali continua sendo a nossa casa. Não mais a Pedra do Sal porque não cabe, ficou pequeno, mas a gente continua na região da Pequena África ocupando, não só com os bailes, mas também participando de todos os coletivos, de todas as discussões políticas em torno da região, em torno da valorização da preservação da memória material e imaterial que tá ali.
A gente recebe depoimentos desde 2013, de pessoas falando da importância do baile, por ser na rua, por ser de graça, por ser algo onde as pessoas se veem e se reconhecem, é pessoas que deixaram seus cabelos naturais, que se curaram da depressão, conheceram os personagens da região, a importância da região lendo os livros dos kits que a gente distribuía de aplicação da Lei 10. 639. É algo que eu acho que não vai acabar.
O Galpão ZN, onde vocês realizarão a festa amanhã, 25 de fevereiro, também é um espaço de valorização da cultura negra. Vocês enxergam alguma diferença do público preto de SP e RJ?
Sami Brasil: Durante toda a nossa trajetória, mesmo antes do Baile Black Bom, com a banda, a gente rodou muito o Rio – São Paulo, e uma das diferenças mais marcantes, é a atenção que o público de São Paulo dá para o trabalho autoral. Aqui no Rio, uma cidade turística, festiva, a cena da música independente ainda não tem uma projeção tão grande quanto tem em São Paulo. Com relação ao público, pô, com certeza, o público preto daqui e lá tá de parabéns. Geral trajado com seus black power para cima, gingado no pé, nessa parte estética tá tudo nota 10. A gente toca em 80% de lugares de negritude, e quando a gente chegou no Galpão, vimos que também era um espaço preto a gente ‘opa, que sorte a nossa’. Então para a gente é sempre bom se reconhecer no espaço onde a gente vai. Ter o reconhecimento dos nossos é fundamental.
Vocês estão prestes a completar 10 anos de história do Baile Black Bom, em 2023. Como tem sido essa experiência? Quais foram os momentos mais marcantes das festas e bastidores?
Sami Brasil: Muita luta e muita vitória também. A primeira luta é conseguir recurso para botar de pé, com a melhor estrutura, no melhor local, com segurança, com banheiro, dando o melhor para o nosso povo, então foi um desafio muito grande. A gente nunca sabe se a gente vai conseguir fazer o próximo baile, é uma incógnita constante na nossa vida nesses 10 anos, mas sempre temos conseguido. A gente está sempre se articulando com as instâncias públicas, se inscrevendo em edital, pedindo apoio, se profissionalizando para que a gente possa disputar de fato esse mercado cultural. Para isso, a gente teve que criar nossa produtora, a gente enquanto artista e nos bastidores produzindo. Tivemos que aumentar a equipe para poder dar conta do tamanho que o projeto virou. A família só cresce cada vez mais.
Nesses 10 anos a gente conseguiu fundar o Instituto Black Bom, que é o nosso braço do empreendedorismo. Que foi o primeiro coworking para empreendedores negros no estado do Rio, em 2017. Com o crescimento do movimento do Baile Black Bom, da feira de atividades, recebia muitas pessoas de empreendimentos diversos querendo participar. Uma coisa que nasceu do nosso trabalho artístico, hoje se torna uma rede de fazedores culturais pretos, de valorização do mercado criativo negro. E nos coloca também como referência para curadorias. Somos chamados enquanto instituto para fazer programação de outros festivais, outros eventos, proporcionando para a galera da nossa rede acesso a outros mercados de consumo.
Enquanto banda Consciência Tranquila, fomos convidados para participar do programa Superstar, um reality de bandas da Globo, e com certeza foi o baile que proporcionou isso, em 2015. Também fomos atração do palco das Olimpíadas Rio 2016.
Agora o mais recente para mim foi a retomada. A temporada deste ano, pós-pandemia, que a gente intitulou ‘De Volta a Pequena África’, que o baile volta com o tamanho maior. Fizemos um movimento grande de distribuição de cestas básicas pro pessoal da cultura, dos empreendedores e conseguimos nos manter vivos durante a pandemia, ajudar os nossos e ainda voltar maior do que a gente saiu. Foi uma vitória sem palavras. A gente continua sendo independente, não temos empresários, não temos produtora. É nós por nós, a nossa metodologia.
Fomos convidados para o programa Espelho com Lázaro Ramos para contar um pouco da nossa trajetória. Não para falar do nosso projeto, para falar de nós, enquanto pessoas. Muitos personagens do nosso coletivo musical estão na TV, foram ao The Voice. No decorrer da nossa história tem sido um celeiro de talentos. A gente acaba revelando muita gente. A galera que canta com a gente atualmente, todo mundo é backing vocal da Iza. Nossa equipe está alcançando outros degraus.
Já tem previsão para mais bailes em SP ou em outros estados, além do RJ, neste ano?
Anthonio Consciência: Este ano é bem promissor. As redes sociais do baile tem alcançado muita gente, principalmente os artistas internacionais de R&B, black music, eles têm repostado os nossos vídeos porque geralmente são as músicas que a gente toca nos bares, porque veem as pessoas aqui dançando e o Baile Black Bom tem sido referência para esses artistas e a gente tem ficado muito feliz de ter chamado atenção deles e eles felizes com a repercussão das suas músicas serem dançadas aqui. Inclusive nós recebemos no ano passado o Anthony David. Ele viu sua música sendo dançada no baile e tinha muita vontade de cantar no baile. O que explodiu para a gente foi muitas cidades em São Paulo, além da capital. Legal ressaltar que quando a gente faz evento em São Paulo, grupos de dança de outras cidades são muito carente de eventos assim, pessoas da Baixada Santista, Limeira, Barueri, ver a gente. Esse ano a gente tem alguma Temporada que já tá mais ou menos traçada, e é sempre aos sábados. A particularidade do baile é que o evento é vespertino, das 17h até 00h. Porque é um evento para família preta, as crianças podem ficar tranquilas dançando. No quarto sábado do mês o evento é na Baixada, especialmente em Queimados, na Praça dos Eucaliptos.
A Bahia tem tido muitos pedidos. Já fomos no Nordeste, para fora do Brasil, mas na Bahia a gente ainda não conseguiu. O próprio Afropunk, a gente queria mesmo que eles percebessem a importância do que é o movimento black, do que é o charme, porque o charme é 90% do público preto. O samba, hoje em dia, é muito branco, muito elitizado. O baile black bom leva 10 mil pessoas nas ruas e a gente pode dizer que a grande maioria é preta.
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