Com quase 20 anos de estrada, o trio de cantoras da banda Filosofia Reggae, uma das melhores do gênero no Brasil, desabafam sobre como o racismo e o machismo tem dificultado elas, como mulheres negras, de ascenderem no mercado.
Com músicas de sucesso como “Sentimento bom” e “Se o dia não terminar“, a banda que já chegou a ocupar o primeiro lugar nas rádios, relata que está fora de grandes festivais. “A cena reggae no Brasil é muito embranquecida. Acreditamos que o público não acessa a gente, muitas vezes pela falta de espaço na mídia que faz as pessoas acreditarem que não tem linha de frente preta. Junta o machismo, racismo… fica cada vez mais atrasado nosso processo de crescimento”, desabafa a cantora Domênica de Paula David, 31, mais conhecida como Dodo, em entrevista exclusiva para o Site Mundo Negro.
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Para manterem o sonho da manter a banda na ativa, as artistas precisam conciliar os palcos com outros trabalhos. No caso da Dodo, ela começou a dar aula particula de canto. “Infelizmente ainda não podemos afirmar que a Filosofia se paga, ainda encontramos dificuldades para cumprir com nossas obrigações financeiras, acordos no passado, ingenuidade e falta de oportunidade, nos faz ter que usar de outras formas para complementar a renda ao final de cada mês”, lamenta a cantora.
Filosofia Reggae surgiu nos anos 2000, e atualmente, é formado pelas irmãs Dodo, Daiane de Paula David (Nina Roots), 36, e Danusa de Paula David (Dana David), 38. Todas da cidade de Mauá, na região do Grande ABC, em São Paulo.
Leia a entrevista completa abaixo:
Vocês diriam que o pico de sucesso do grupo veio com o lançamento da música “Sentimento Bom”, em 2004? Como foi essa época de oportunidades de shows e gravações?
Apesar de algumas músicas já estarem despertando o interesse do público em relação a banda , sim, damos todos os créditos ao sucesso trazido pela música Sentimento Bom, composição de Carlinhos Pontes. Com esse sucesso repentino, por se tratar de uma canção que entrou nos últimos instantes no processo final do CD Real Situação, foi uma grande surpresa todo o sucesso causado, rádios, programas de tv e o público recebem a canção de forma positiva abrindo muitas portas ao trio , mantendo-se em primeiro lugar por semanas nas principais fm’s de São Paulo e rádios comunitárias.
Neste período, vocês relatam que não tem rolado mais convites de festivais e tampouco já participaram de grandes eventos do reggae, como o República do Reggae na Bahia. Como vocês explicam a falta de convite na cena musical?
Falamos de um cenário extremamente dominado por homens. A figura feminina desde sempre tem o estereótipo de back vocal, sempre um passo atrás de um homem, fazendo voz de apoio. Então surge o trio vocal que vem totalmente na contramão de toda essa tradição imposta no cenário, com isso torna-se uma certa afronta a um machismo estruturado no cenário, firmando a cada momento uma grande dificuldade em ser convidadas a participar dos festivais, até mesmo em eventos em comemoração ao DIA INTERNACIONAL DA MULHER, onde todos os shows realizados em homenagem às mulheres, feito por bandas onde se quer nota a presença feminina no palco. O República do Reggae, evento anual e de grande tradição realizado na cidade de Salvador-BA, sempre foi um dos maiores sonhos, mesmo em postagens nas redes sociais com pedido do público para que tivesse o prazer de ver o show ao vivo, ainda estamos longe de conseguir.
Em quase 20 anos de carreira, vocês afirmam ainda não conseguir independência financeira só com a música. O que cada uma tem feito para suprir o dinheiro que ainda não estão arrecadando com a Filosofia?
Infelizmente ainda não podemos afirmar que a Filosofia se paga. Ainda encontramos dificuldades para cumprir com nossas obrigações financeiras, acordos no passado, ingenuidade e falta de oportunidade, nos faz ter que usar de outras formas para complementar a renda ao final de cada mês.
Trabalhos autônomos extras, CLT, todas as formas possíveis para conseguir pôr comida na mesa, pagar aluguel, pois não temos imóvel próprio. Trabalhos feitos por cada uma e tudo o que podemos fazer juntas para suprir. Participações em shows quando convidados também vem como grande ajuda.
Além do dom para a música, para o canto, temos também grandes talentos em muitos outros setores, como artesanato, cabelos, gastronomia. Tudo o que se pode fazer para garantir um dinheiro honesto e assim até mesmo usar parte disso para investimentos na banda.
Sem essas verbas, vocês também não tem um empresário e organizam tudo entre si e mãe da Dodo, certo? O que mais vocês têm feito para conseguir manter o sonho do grupo vivo?
Temos total amor e dedicação ao nosso sonho, mesmo com todas as dificuldades, todas as portas fechadas, todos os NÃO que recebemos ao longo desses quase 20 anos , não deixamos que isso nos abata.
Buscamos formas de investir em nossos sonhos de acordo com nossas posses, não podemos negar que vez ou outra nos deparamos com pessoas que nos ajudam não só financeiramente, como nos abrindo os olhos para muitas coisas que estávamos fazendo errado por ingenuidade e nos coloca no caminho certo, mas tudo sempre partiu de nós.
Se tivermos que ter um empresário direcionando nosso trabalho, ele irá aparecer. Hoje isso não é mais um sonho, mas anos atrás essa era nossa maior vontade, que surgisse essa pessoa para nos dar esse UP no trabalho. Porém, ao longo dos anos, aprendemos que nós somos o maior investimento no nosso trabalho. Não existe ninguém que possa dar cara, cor, sentido ao seu sonho se não for você mesmo, ninguém pode sonhar seu sonho.
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