(Contém spoilers)
“Estando ela certa ou errada eu só consigo ver o ódio que as pessoas têm pelas mulheres negras que colocam seu cabelo para cima e que exigem seu lugar de fala. Decidiram colocar tudo em cima da Karol”. Essa fala da advogada e empresária Eliane Dias durante o “A vida após o Tombo” (GloboPlay), documentário sobre a controversa experiência da rapper Karol Conká durante e após o BBB21 representa algo que não se foi muito discutido, mas é real.
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O documentário dirigido por Patrícia Carvalho e Patrícia Coelho, com roteiro de Malu Vergueiro e Valéria Amaral, poderia ter sido feito em uma hora, mas foi dividido em quatro partes: o cancelamento, realidade, ruptura e o pai.
Um pouco antes do seu lançamento oficial, feito nessa quinta-feira, 29, Karol conversou com as apresentadoras do Saia Justa (GNT) e admitiu que tudo foi gravado quando ela ainda não tinha uma avaliação mais neutra sobre suas atitudes. “Estou num momento de reflexão profunda. No documentário eu ainda estava montada na soberba tentando disfarçar as dores que eu tinha causado”, explicou a artista.
É cruel imaginar que depois de um confinamento em rede nacional, iniciado durante uma época de isolamento social por conta da Covid-19, Karol teve que lidar com as câmeras da Globo perto dela durante boa parte do seu dia. Desde da saída do Projac ao reencontro com sua linda mãe Ana, seu filho Jorge e irmão Lilo e por mais algumas semanas.
A família de Karol inclusive é uma das partes mais desconfortantes do documentário. Ver o próprio filho da cantora falar das ameaças, dos ataques é lastimável porque ele também deve estar lidando com traumas e deveria ser poupado. “Não acho que o linchamento seja um caminho certo para se corrigir um erro”, disse Jorge, ao explicar que teve que mudar sua conta do Instagram por conta dos ataques e ameaças.
Se pensarmos em um contesto maior, a Globo, também tem sua parcela de responsabilidade pela maneira que as relações foram conduzidas dentro da casa. Não dá para isentar a direção do programa pela tortura psicológicas que Lucas sofreu nas mãos de Karol, sem nenhuma intervenção.
Ana, mãe de Karol, é a imagem da mulher negra que tem que se mostrar forte, mas por dentro está lidando com a dor e o medo. É inimaginável a angústia de ver sua filha, de 35 anos, sendo uma das pessoas mais rejeitadas do Brasil. Não há precedentes de algo assim e fica a torcida que essa mãe também esteja sendo assistida com carinho.
Ver os quatro, Karol, Jorge, Lilo e Ana chorando e se abraçando deixa o questionamento sobre a insistência na exploração das nossas dores em programas de TV.
Lumena, Lucas, Fake News e redes sociais
Ao sair do BBB , além de ter que ser esconder com um medo literal de apanhar na rua de pessoas estranhas, Karol teve que lidar com a decepção de uma equipe fora da casa que não agiu da forma que havia sido alinhada por ela mesma antes do programa. O abandono gerou uma série de fakenews, muitos envolvendo a suposta falência da artista. “Eu não faço 5 milhões nem em um ano inteiro”, explicou a rapper respondendo às reportagens que sugeriam prejuízos milionários por conta da crise de imagem. Paulo Junqueiro, presidente da Sony Music, gravadora da rapper, reforçou que em termos de relações com a gravadora, nada mudou. “Nunca pensamos em romper contrato”.
O documentário escolheu um formato de gosto discutível ao colocar uma pessoa que está lidando com as consequências dos seus atos, mas também com seus próprios fantasmas, no centro de um cenário em um estúdio, com frases, perguntas, imagens do BBB21 freneticamente piscando à sua frente. Se existe alguma preocupação com a saúde mental da Karol, a experiência teatral, só deve ter aumentado o repertório de lembranças traumáticas.
Foi nesse espaço, aliás, que ela teria que se sentar frente a frente com algumas das pessoas que ela agrediu verbalmente na casa. Carla Dias e Acrebiano não quiseram participar do programa. Lumena, única que apareceu pessoalmente, alguns momentos durante suas falas, parecia que iria colapsar. “A gente alimentou nossos erros e nossas dores expondo a nossa família. A gente se perdeu”, disse a psicóloga sempre olhando para o chão.
Lucas apareceu de um telão, em um vídeo gravado, dizendo que não estava ainda pronto para se encontrar pessoalmente com a Karol, mas recitou um poema falando sobre perdão e Deus. A rapper justifica suas atitudes contra o ator, ao fato de ter que lidar com o alcoolismo do pai, já falecido, em mais um momento com uma pitada de sensacionalismo em cima de uma questão tão delicada como vício e abandono.
A trajetória da Karol também esteve presente no documentário mostrando a relevância da artista para o mundo do rap, não esquecendo dos momentos baixos da sua carreira, mas também apresentando vários momentos da Conká plena em shows lotados. E parece que a música é o único meio possível de redenção da curitibana.
“Minha música sempre foi a tradução dos meus sentimentos. Fiz muitas músicas em pouco tempo, como nunca fiz antes” comenta a rapper que vai entregar um novo trabalho produzido durante 2 semanas em parceria com o produtor RDD, com letras que traduzem o que ela tem vivido nesses dois meses após a saída do BBB21. “Só mais um dia de luta depois do dilúvio”, cantou Karol ao final do documentário, em uma adaptação da música “Dilúvio” feita após o confinamento.
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