Neste artigo apresento a você leitor(a) dez chefs pretos e pretas que se destacam na Gastronomia no Brasil. Obviamente, existem mais profissionais que poderiam ser listados aqui (e você pode bem nos indicar outras histórias para conhecermos). Este texto surge de uma interação em sala de aula com alunos da gastronomia – conforme pode ser visto nos próximos parágrafos.
Todo começo de semestre uso da mesma estratégia com meus alunos e alunas do bacharelado em Gastronomia recém chegados à universidade pública: peço que eles(as) se apresentem dizendo de onde são, suas idades e o porquê de escolherem aquele curso. É curioso que muitos alunos escolhem a área em função de suas histórias de afeto com seus pais ou avós. Assim, eu consigo perceber e continuar acreditando que a Gastronomia é sobre afeto e sobre pessoas – e não somente sobre ganhar dinheiro e ter exposição na mídia.
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A disciplina que leciono para os calouros da Gastronomia é ‘Iniciação à Extensão Universitária na Gastronomia’. Este conteúdo me dá liberdade para discutir de maneira tangencial questões da sociedade. A universidade empreteceu nos últimos anos e isso me alegra. E, nessa sala de aula empretecida, com histórias diversas e plurais, o Preto Gourmet quis saber quantos chefs pretos e pretas aquela turma conhecia.
Quando joguei a pergunta no ar, os alunos começaram a pensar…. Geralmente, a resposta é quase que instantânea quando faço uma pergunta e jogo para eles o pedido de resposta. Fiquei olhando aqueles rostinhos e pensei: “Ih… deu ruim! Estão pensando demais para citar um nome”.
Depois de uns 15 segundos (isso é uma eternidade em uma sala de aula em uma universidade), alguém disse: “Acho que eu conheço sim, professor…Aquela da TV… mas eu não sei o nome dela. É a que está na Globo, naquele reality show.” Eu joguei alguns nomes e a aluna respondeu: “Essa daí, professor: Kátia Barbosa!”
O exercício foi bom porque eles mesmos entenderam que os chefs pretos e pretas na Gastronomia estão invisibilizados. E nesse exercício, continuei: “Agora, vamos citar chefs brancos que vocês conhecem.” Obviamente, as respostas surgiram imediatamente e muitos nomes nacionais e internacionais foram mencionados. Por isso, como forma de visibilizar o nosso povo, trago aqui 10 chefs pretos (as) que têm uma história relevante na Gastronomia e que merecem ser (re)conhecidos. Vem comigo conhecer esse povo lindo que faz um trabalho digno de estar nos mais diferentes veículos de comunicação.
Aline Chermoula
A baiana de Feira de Santana entende a importância da ancestralidade na gastronomia e foca suas criações na valorização da culinária africana. É escritora, palestrante, professora, pesquisadora da cozinha afrodiaspórica pelas Américas e colaboradora do Mundo Negro. Sua formação em História permite que a chef una esse conhecimento acadêmico da cultura africana aos pratos que cria. E o sobrenome que a acompanha é o nome de um molho muito usado no norte da África. Chermoula é um pesto africano que leva salsa, coentro, canela, azeite de oliva, pimenta do reino, hortelã (e outros elementos ou temperos a gosto). A chef tem a marca Chermoula Cultura Culinária e oferece um menu autoral em eventos especiais.
Aline Guedes
E temos outra Aline e que também colaboradora do Mundo Negro. A chef Aline Guedes, de São Paulo, começou a cozinhar aos 7 anos de idade para que no tempo de folga da sua mãe (dona Ditinha) a matriarca pudesse descansar. Era uma forma inteligente de Aline ter mais tempo livre com sua mãe – que era empregada doméstica e tinha uma jornada de trabalho pesadíssima. Há 20 anos formada, a gastronomia mudou a vida de uma menina preta periférica – que foi parar até na TV Globo participando de reality show. Sofreu racismo e machismo em cozinhas profissionais, mas foi forte e continua vencendo. É pesquisadora, Mestre em Hospitalidade, professora, mãe e tem como ingrediente favorito pescados que são utilizados na valorização de uma cozinha brasileira que resgate a ancestralidade – sem deixar de mesclar também elementos e técnicas da cozinha européia.
Benê Ricardo (inmemorian)
Em 1981, aos 38 anos, Benê Ricardo foi a primeira mulher brasileira a receber um diploma de chef de cozinha no país. E nesse contexto de um momento da ditadura e do sexismo, Benê Ricardo fez história na Gastronomia – foi e sempre será parte da história de muitas mulheres cozinheiras e chefs neste país. Mineira de Ouro Fino, ficou órfã aos 12 anos e virou empregada doméstica nessa idade. Trabalhando na casa de uma família de descendentes de europeus, recebeu o convite para acompanhá-los e partiu rumo à Europa, voltando de lá (anos depois) especialista em culinária alemã. Ganhou um concurso de receitas da Revista Claudia e seu prêmio foi trabalhar na cozinha experimental do periódico. E continuou a voar e a inspirar muitas futuras cozinheiras e chefs pretas em todo o país. Em 2018, nos deixou órfãos – mas o seu legado permanecerá. Sempre que entrevisto uma chef de cozinha preta, o nome de Benê Ricardo é citado.
Reprodução: Google Imagens
Fonte de pesquisa: mulheresnagastronomia.com.br
Carmem Virginia
Chef dos Orixás, Dona Carmem, Carmem Virgínia… essa pluralidade para apresentá-la mostra quão grande é a chef recifense que é neta de merendeira. Aos 14 anos foi escolhida cozinheira dos Orixás e aprendeu muito com sua vó (mas só olhando – já que não tinha permissão para ajudá-la). Hoje, com mais de 200 mil seguidores, a chef produz conteúdo para as mídias sociais e já participou de diversos programas culinários na TV brasileira. A chef queria ser jornalista, mas que bom que um orixá a escolheu para ser cozinheira! Os orixás não erram: ela está na mídia e também cozinhando! Seu foco é a valorização da comida brasileira, com uma importante reflexão sobre uma gastronomia que possa ser pensada também para os pobres (suas receitas consideram a restrição orçamentária do seu público). Ah, Dona Carmem, você é Axé puro! Quando nossas vidas se cruzarem, será um abraço daqueles!
Cidinha Santiago
A mineira de Juiz de Fora é referência para muitas mulheres pretas que estão na Gastronomia nos dias de hoje. Em 1985, lançou o livro ‘Receitas de Comidas Típicas’. É educadora, mãe, apresentadora de programas de culinária, consultora gastronômica, professora em cursos de culinária e workshops. Leitor(a), nem preciso escrever mais sobre Cidinha, né? Ela está na vanguarda quando o assunto é mulheres pretas na Gastronomia e por isso é respeitada por toda sua trajetória na Gastronomia. Eu fiquei todo bobo quando vi que a Cidinha Santiago me segue no Instagram – rolou aquela sensação de que dei certo na vida!
Iza Sousa
Baiana do Sul do estado, mãe solo de três filhos e a necessidade de botar comida na boca de suas crianças é que a levou para a Gastronomia – trabalhou anos em mansões de “gente importante” na região de Trancoso e fez diversos cursos no Senac e depois em São Paulo – seu talento estava sendo descoberto à medida que gente da alta sociedade brasileira experimentava suas criações durante as férias ou eventos. Não perdeu nenhuma oportunidade de capacitação. E, há apenas 4 anos, é que Iza se reconheceu como mulher negra ao ir a Salvador. Desta virada de chave, a chef valoriza a culinária indígena e da diáspora sendo especializada em Frutos do Mar. Suas criações reforçam a necessidade de pensarmos a gastronomia de maneira mais cultural e ancestral por meio da valorização da biodiversidade brasileira e a influência africana.
João Diamante
Tem o dendê baiano e a experiência carioca da zona norte. João nasceu em Salvador e veio para a cidade maravilhosa ainda pequeno. Estudou Gastronomia, se destacou e ganhou uma bolsa para ir estudar na França. O chef tem como especialidade a simplicidade da gastronomia por meio dos insumos simples – no RioGastronomia a estrela de sua aula foi a abobrinha, por exemplo. Mas João, com suas técnicas, não esquece suas raízes. Hoje é apresentador de programas culinários, modelo e atua como empreendedor social por meio da ONG Diamantes na Cozinha – um projeto que capacita jovens pretos em situação de vulnerabilidade econômica e social para atuarem na Gastronomia. E, recentemente, aceitou o convite para ser o Embaixador do Prêmio Gastronomia Preta – do qual o Mundo Negro é parceiro oficial de mídia.
Kátia Barbosa
Foi criada na favela e passou por muitos perrengues na vida. É dela um Patrimônio Cultural de Natureza Imaterial do Rio: o famoso bolinho de feijoada. Kátia ganhou mais visibilidade no programa Mestre do Sabor (TV Globo), mas já era uma personalidade conhecida da cena gastronômica carioca com seus bolinhos e comida de boteco. A chef tem como especialidade a comida popular brasileira. O dia pode estar difícil, mas se alguém pede uma foto com a chef, logo aquele sorrisão característico aparece no rosto e tudo parece melhorar. Kátia Barbosa fundou o Aconchego Carioca (na Tijuca, Rio de Janeiro) – que inclusive está no Guia Michelin; é uma das sócias do Kalango Bar (com sua filha e também chef de cozinha Bianca Barbosa); e tem a marca Katita – lojas em que podemos comprar seus produtos (bolinhos e feijoada).
Paulo Rocha
Mineiro de Chapada do Norte (cidade que no passado foi um quilombo), o Paulo Rocha é um chef confeiteiro ímpar e ganhou destaque em 2022 ao participar do reality show Iron Chef Brasil (Netflix) e ser o primeiro competidor a desbancar um Iron Chef. O chef confeiteiro hoje é responsável pelas seis casas do Restaurante President – do midiático chef Érick Jacquin. Sempre amou a patisserie francesa (a confeitaria clássica) e por isso se especializou em entregar seus doces com o conhecimento da técnica e um sabor ímpar. Paulo é alegria por onde passa e seu sorrisão enche o ambiente de alegria. E será ele o apresentador oficial do Prêmio Gastronomia Preta.
Vladimir Reis Lopes
Da Baixada Fluminense para o Largo do Machado (Rio de Janeiro), com escalas no Centro do Rio para estudar Gastronomia e em Singapura (onde aprendeu a arte de criar dumplings (bolinhos asiáticos). O chef Vlad criou o Dim Sum Rio em plena pandemia e enquanto vários restaurantes demitiam, o Dim Sum Rio contratava. Vlad tem feito algo ímpar no Rio de Janeiro: oferecer dumplings na cena gastronômica carioca. E não há quem não se encante com o sabor e a beleza dos pratos servidos. Por isso já está indo para a abertura de uma segunda casa. É sucesso que se fala, né!?
Uma das reflexões mais bonitas que ouvi de preto para preto foi essa aqui que reproduzo: “Eu não quero vincular meu sucesso à minha ida para Singapura. Tem muitas crianças e jovens pretos que podem querer entrar para a gastronomia e podem pensar que é a internacionalização que trás o conhecimento. Então, muitas vezes, eu prefiro omitir essa parte da minha trajetória para não interromper os sonhos de crianças e jovens pretos como eu.” Vlad, você é incrível!
Você conhece algum chef preto(a) com uma história incrível e que se destaca no que faz? Não se acanhe, faça a ponte para que possamos contar essas histórias aqui. No próximo artigo listarei outros 10 chefs. Vem comigo!
Axé!
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