Como seria o Carnaval no Brasil sem a influência africana?

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Como seria o Carnaval no Brasil sem a influência africana?
Foto: Divulgação/SecultBA

O Carnaval do Brasil se tornou mundialmente conhecido pelos desfiles das escolas de samba e nos últimos anos pelos megablocos que arrastam multidões nas ruas das capitais do país. Apesar de a festa não ter origem no país, ela recebeu aqui uma enorme contribuição da cultura negra, o que tornou nosso Carnaval tão negro que é difícil pensar como seriam as comemorações aqui sem a percussão que pulsa nas escolas de samba, sem o próprio samba e sem as marchinhas, que nasceram do universo negro que influenciou a musicalidade de Chiquinha Gonzaga, autora de “Abre Alas”.

Conversamos com o ativista antirracista, professor e vice-diretor da Unesp, Juarez Xavier, sobre a origem da festa no Brasil. Ao ser questionado se acredita que haveria Carnaval no Brasil se os africanos não tivessem sido sequestrados para cá, ele afirma que teria, mas a festa não seria do mesmo jeito que conhecemos.

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“Sem dúvida, teria o Carnaval. Teria o Carnaval no Brasil, só que seria um Carnaval branco, como o Carnaval que se tem na Europa, que se tem em Veneza, por exemplo. O Carnaval é uma invenção fundamentalmente européia e ele foi tingido de negro pelos africanos. Esse Carnaval que nós temos no Brasil, numas partes dos Estados Unidos, em parte da América Latina, do Caribe, é Carnaval da digital negra. Carnaval com a presença negra. E o que é que ele tem de excepcional no Brasil? Primeiro que ele incorporou todo o complexo cultural, negro africano. É importante lembrar que a primeira pessoa a fazer uma marcha especificamente para o Carnaval foi Chiquinha Gonzaga, que era filha de uma mulher negra escravizada que foi liberta na pia batismal, e a avó era uma mulher negra, africana, escravizada. Então a, Chiquinha, que com a educação musical que teve dada pelo pai que era um homem branco, conseguiu fazer a síntese entre o Carnaval e a cultura negra africana”, destacou se referindo à criação da marchinha “Abre Alas”.

O professor explica que o Carnaval como o conhecemos atualmente no país foi construído pela população negra no século 20. “No século 20, a população negra não apenas tingiu o Carnaval de negro, ela construiu o Carnaval que nós temos. Ela construiu o mecanismo do Carnaval que nós temos. Primeiro, deu a tipologia do Carnaval que ele tem hoje. Nos espaços urbanos, construiu o mais importante arranjo de tecnologia social que foram as escolas, elas são um espaço extremamente importante de articulação da população negra, nelas a população negra recupera os valores negros africanos. É a partir da sociabilidade e da musicalidade. Da dança. De todos esses valores importantes. Foi o primeiro espaço em que os negros tiveram possibilidade de ter propriedades no setor urbano, as escolas de samba foram territórios negros, quilombos negros urbanos. Elas permitiram a população negra criar raiz no espaço urbano quando o processo era a higienização, expulsar os negros para a periferia da periferia, isso fez com que a população negra recuperasse uma coisa que a escravização destruiu, que era o compartilhamento de saberes ancestrais”.

Assim como as escolas de samba contribuíram com um cenário de resistência negra no espaço urbano, os blocos de rua também se tornaram representativos para a manutenção da cultura africana. “A tecnologia que nós temos do Carnaval é negra. Se você pega do ponto dos blocos, mesmo os blocos brancos. A lógica do bloco, a música, a percussão é negra, fundamentalmente negra. E se você pega na escola de samba, nem tenho que dizer. Mesmo com o embranquecimento das escolas de samba. Toda tecnologia social, deste arranjo criativo e produtivo, construído ao longo do século 20, é negra”, explica o especialista.

Embranquecimento do Carnaval: o branco vai onde o dinheiro está

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“Quando chega o Carnaval televisionado aí sim você começa a ter a construção desse Carnaval branco. Começa com as escolas de samba, a partir dessa perspectiva que eu falei, dos carnavalescos, quero dizer, que aqueles enredos totalmente alienígena que o branco é que aparece nos standards. Eles são mais importantes standard do que, por exemplo, a bateria, do que as pessoas que estão sambando. Depois, eles chegam na direção das escolas de samba. Depois eles chegam na estrutura da escola de samba. Então é um processo de branqueamento das escolas de samba a partir dos anos 60 porque começa a dar dinheiro”, detalha Juarez Xavier ao explicar o grande número de pessoas brancas que passaram a se interessar pelo Carnaval das escolas de samba.

A retomada dos valores negros do Carnaval brasileiro

Ainda que estejamos vivendo um cenário de embranquecimento dos signos de herança negra que compõem o Carnaval, existe resistência e os blocos afro, como o Ilê Ayé, por exemplo, cumprem um papel importante para a manutenção da cultura e estética negra nas celebrações. “Os blocos africanos, eles são as possibilidades da constituição de uma identidade negra, da mobilização política da população negra, da constituição de arranjos monetizados ou não, da possibilidade de fazer o enfrentamento à necropolítica, ao racismo na sociedade brasileira. Portanto, têm possibilidades importantes nesses blocos, a estética eu acho que é importante, é uma forma de produção de conhecimento válido sobre a realidade, por isso que a estética negra no enfrentamento ao racismo é também um discurso político muito eficiente na luta contra o racismo no Brasil”, finaliza o professor Juarez Xavier.

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