Entrar em uma clínica e encontrar médicas negras pode ser muito emocionante. É o que acontece com os pacientes do Grupo Ifé Medicina, como explica a Dra. Júlia Rocha em entrevista ao MUNDO NEGRO, ao lembrar de uma consulta com mãe e filha, e a adolescente se apresentava com alopecia.
“Ela usava tranças e extensões capilares de forma ininterrupta. Estava triste e preocupada porque a filha não conseguia se relacionar bem com seu cabelo crespo e já estava apresentando alopecia de tração em função dos Hairstyles utilizados e dos hábitos de alisamento. Ela temia que a filha evoluísse com um quadro severo como o dela. Foi uma consulta extremamente longa, de muito choro, transparência e choque de realidade”, diz a dermatologista.
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Após quase um ano, o resultado: “a mãe me mandou uma foto da filha, que havia conseguido parar com os hábitos de alisamento, cortado os fios e estava amando sua nova relação com os cabelos. Isso realmente me emocionou”, conta a Dra Júlia.
Há um ano, diversos pacientes tem a oportunidade de serem atendidos no Grupo Ifé Medicina, criado por cinco mulheres negras no Rio de Janeiro. “Nosso encontro se deu pela junção do desejo em exercer uma medicina que conciliasse valores pessoais com a necessidade de buscarmos um novo consultório”, explica a Dra. Cecília Pereira ginecologista e mastologista, que se uniu às médicas Abdulay cirurgiã plástica, Aline Tito cardiologista, Julia Rocha dermatologista e Liana Tito oftalmologista.
“Algumas de nós, de fato, estavam precisando de uma nova sala, e fazer dessa busca não apenas um ato emergencial, mas uma virada de chave em nossas carreiras, onde finalmente poderíamos trazer a nossa verdade unindo outras pessoas com o mesmo propósito. Nos fez resgatar o desejo de termos uma clínica com um atendimento mais próximo, calmo e acolhedor”, relata a ginecologista.
A Dra. Aline Tito, explica por exemplo, que a população negra é a que mais sofre com a pressão arterial elevada, mas a medicina branca ainda é tolerante à falta de cuidados com os pacientes por serem considerados mais ‘resistentes’. “O resultado dessa tolerância nós vemos nas emergências, com pessoas subtratadas evoluindo com infartos, AVC, insuficiência cardíaca e renal. Doenças que quando não são fatais tornam a pessoa inválida para prover sua subsistência. E quando esse indivíduo é trabalhador autônomo ele vê sua renda reduzida a um auxílio do Estado”.
“Estar aqui é um sonho”, a ouviu Liana durante uma consulta. “Nos abraçamos e choramos”, relatou. Todos os dias, elas ficam comovidas. “É emocionante também quando os filhos trazem seus pais e eles, de gerações anteriores, se emocionam e nos emocionam ao falarem que nunca haviam recebido um atendimento como na nossa clínica. Isso nos dá a certeza da caminhada”, relatou a Dra. Liana.
Mas não é só pelo atendimento humanizado e representativo de mulheres médicas que o Ifé se tornou uma referência. “A maioria dos nossos pacientes são negros. Observamos também que a escolha pelo nosso atendimento ocorreu em associação aos princípios do black money. Essa circulação de dinheiro é algo em que acreditamos muito. O fortalecimento da nossa população é atravessada por este formato de economia”, explica a oftalmologista.
Depois de um ano com a clínica funcionando, a Dra. Liana ainda fala sobre como elas ainda sentem a euforia de terem a própria clínica. “Essa união e parceria nos fortaleceu, e cada paciente que vem ao nosso consultório é mais uma amizade que fazemos. São tantas histórias compartilhadas, sorrisos trocados, dores ressignificadas nesses meses, que faz toda nossa trajetória até aqui valer à pena”.
Sem spoilers, mas a oftalmologista garantiu que em breve terá novidades no Grupo Ifé Medicina: “Para o próximo ano, muitos projetos, só podemos pedir caminhos abertos!”.
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