Daqui a alguns dias se encerra o prazo para que novos eleitores se cadastrem no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e assim exerçam um ato cidadão, o voto. Nos últimos dias, por diversas vezes, me peguei refletindo sobre a importância do voto e suas consequências na nossa vida cotidiana. Lembrei da Debora adolescente, que aos 16 anos enfrentou uma fila depois das aulas para poder ter o direito de escolher o futuro presidente do Brasil, na eleição de 2006. Não era obrigatório, mas eu sabia que era urgente. Minha primeira experiência eleitoral me atravessa até hoje, talvez seja por isso que decidi escrever esta carta para os jovens e adolescentes negros.
Jovens, eu tenho muito orgulho de vocês e até uma certa vontade de participar desse grupo hoje, mas meu tempo passou e ele era diferente. Vocês participam de debates sobre feminismo, sobre o combate contra as discriminações (de gênero, classe, raça e outras); fazem discursos nas redes sociais e vão às ruas para protestar. A popularização das pautas políticas e sociais é uma realidade, graças, principalmente, à ampla utilização da internet. Em 2015 e 2016, em São Paulo e depois em outras cidades do Brasil, vocês protagonizaram um movimento político potente: as ocupações das escolas estaduais. Foi um movimento social sem precedentes na história do nosso país por causa das estratégias e proporções. Para termos uma ideia da dimensão, foram mais de 200 escolas públicas de São Paulo ocupadas por estudantes, como está presente no livro Escolas de Luta. A principal demanda e ponto de reivindicação era uma medida do governo do estado que queria fechar quase 100 escolas e redistribuir seus alunos em outras turmas, o que levaria à superlotação das salas de aula. Vocês inauguraram a luta organizada e estruturada dos estudantes secundaristas no Brasil e isso foi um grande feito.
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Vocês certamente foram buscar referência nos movimentos sociais dos estudantes universitários. Temos que reconhecer a trajetória destes em organizações. Desde de sua criação em 1937 a União dos Estudantes do Brasil (a UNE) vem promovendo ações políticas significativas na história nacional. Aqui, começo a acreditar que esse texto é sobre os diferentes tempos.
Outro desafio que vocês enfrentaram, e ainda estão enfrentando, é a pandemia de covid-19. Gerações inteiras não presenciaram essa experiência de morte em milhares todos os dias, luto seguido de luto, medo de sair na rua. As idas ao mercado tornaram-se um desafio. E quanto à classe média e aos jovens pobres? Que continuaram pegando transporte público lotado, expondo seus corpos, a maioria negros, a um vírus mortal.
Vocês também presenciaram a ascensão de governos de extrema direita aqui e em outras partes do mundo. Quando parecia que nada mais poderia acontecer, eis que eclode uma guerra. Na madrugada do dia 24 de fevereiro de 2022, Putin, presidente da Rússia, atacou a Ucrânia. Passado mais de um mês do conflito, vimos uma onda migratória com números exorbitantes. De acordo com a ONU, cerca de 6,5 milhões de pessoas foram deslocadas dentro da Ucrânia por causa dos efeitos da guerra. Com a economia globalizada uma guerra como essa afeta a política e economia do mundo inteiro.
Do macro ao micro vocês me surpreendem, por tudo que passaram. Mas essa conta não fecha: vocês estão diante de mais debates políticos e sociais, mas isso não está se refletindo na participação de vocês na política partidária. A Folha de São Paulo online publicou em 9 de abril, pouco menos de um mês para encerrar o prazo para a emissão de novos títulos, que apenas 1 em cada 5 jovens entre 16 e 17 anos havia se cadastrado. Se comparamos com as eleições anteriores, é nítida a diminuição no número de eleitores nessa faixa etária. Apenas 17,1% dos jovens desse grupo emitiram o documento. Em comparação com o mesmo período da última eleição presidencial a queda é de 31% e chega a 60% em comparação com as eleições de 2004.
Política e vida são inseparáveis. A política educacional, por exemplo, é decisiva no momento que você vai fazer a prova do Enem, está relacionada com a quantidade de vagas do curso e da universidade que você escolheu. Assim, voltamos novamente nos tempos desta carta: passado, presente e futuro. Desejo, luto e quero que em 2023 a gente faça jus aos versos de Belchior brilhantemente apresentados por Emicida, Majur e Pabllo Vittar: “Ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro”.
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