Se tem um ano emblemático para discussão sobre racismo no Brasil, esse ano é 2020. Os debates sobre racismo estrutural, genocídio e violência policial, estimulados pelo a assassinato de George Floyd, repercutiram por aqui e o ápice da reflexão sobre as diferenças entre negros e brancos, aconteceu no dia 2 de junho, durante o Black Out Tuesday.
Naquela terça histórica, pelo menos do ponto de vista de alcance midiático, milhares de pessoas, incluindo brasileiros, publicarem imagens pretas em suas redes sociais. E os dias seguintes foram repletos de ocupações de perfis de brancos, por pessoas pretas, debates, lives, entrevistas, artigos, mais entrevistas, mea culpa, mudança de nome de produtos, discussão sobre queda de estátuas e até demissões. Chegou então a era dos antirracistas brasileiros!
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Por isso que causa estranheza a campanha encabeçada pelo ator e empresário Fábio Porchat intitulada “Sou um racista em desconstrução”. Em um texto no Instagram, o apresentador do GNT faz uma confissão: se assume racista. Por todos os motivos citados no parágrafo acima, deveria ser ponto pacífico que todos os brancos são racistas? Por conta de inúmeras conversas que aconteceram inclusive dentro do perfil do próprio Porchat, eu de se esperar que campanhas feitas por brancos seriam apresentadas em um nível um pouco mais avançado e eficaz para diminuir a desigualdade, algo além de admitir o óbvio que na prática, não muda a realidade da comunidade negra a mais prejudicada durante o período de isolamento por conta da Covid-19.
Porchat diz: “É essencial e urgente que eu diga isso antes que mais vidas sejam prejudicadas. Carrego em mim preconceitos estruturais e estou aqui pra dizer que participei dessa construção nociva, e de forma perigosamente sutil, absorvi e reproduzi o idioma do racismo com fluência”. Essencial e urgente é a reparação financeira causada pelo racismo estrutural que ele reconhece existir. Qualquer conversa vinda de pessoas brancas que não inclua investimentos financeiros imediatos na comunidade negra, não me interessa. Formulários burocráticos para mapear quem precisa do que, também é preguiçoso para quem tem um discurso que começa falando em urgências. Um pesquisa simples do Google já sugere muitos nomes de ONGS negras carentes.
No site feito para campanha vemos pessoas brancas sentadas em uma cadeira, a meia luz, com cara de culpa e o seguinte texto: “Os rostos da campanha: as pessoas corajosas e conscientes dão a cara do movimento. Veja quem são esse (sic) bravos mensageiros de uma nova consciência”. Racista em desconstrução, pessoas corajosas e bravos mensageiros dentro do mesmo contexto, soa pretensioso.
Não está em discussão a boa intenção em fazer uma campanha onde o branco reflete sobre o próprio racismo. Nesse sentido o Cid Moreira fez uma pontuação bem interessante:
No entanto, durante três meses de letramento racial gratuito feito por muitos comunicadores negros, na TV, na Internet, rádio, Podcast, jornais e revistas, sabemos que campanhas de conscientização não suprem as necessidades que estamos cansados de dizer que temos, como desemprego, falta de investimentos em afro-negócios, moradia e educação precários , falta de segurança e saúde além da maior exposição à violência e risco de morte por armas da polícia.
Eu admiro atitudes como a do Youtuber Felipe Neto que não faz tanto texto nem fotos, mas contrata pessoas negras para trabalhar com ele. Saiu do bolso dele o peso de ter se beneficiado das estruturas de um país racista.
Corajoso, não é se assumir racista em desconstrução, corajoso é ser negro no Brasil, país que mata jovens negros, inclusive as crianças que nem saíram de casa durante a quarentena. Corajoso é fazer os serviços essenciais e não poder ficar em casa nem durante a pandemia, para manter nossa geladeira cheia e ruas limpas.
Se declarar um racista em desconstrução na prática, é mais um exercício de consciência e autorreflexão da branquitude do que algo que impacte na vida das pessoas negras com a urgência que Porchat diz ter.
Se ele tá com pressa, imagine a gente.
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