A historiadora e antropóloga Lilia Moritz Schwarcz, acreditou que sua visão sobre o novo álbum visual de Beyoncé , Black is King, seria relevante e resolveu publicar um artigo com a sua opinião no jornal Folha de. S. Paulo, nesse domingo. Ninguém gostou.
“Filme de Beyoncé erra ao glamorizar negritude com estampa de oncinha” era o título do texto opinativo que tinha como linha fina (ou subtítulo), a seguinte frase: “Diva pop precisa entender que a luta antirracista não se faz só com pompa, artifício hollywoodiano, brilho e cristal”.
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Acontece que a mesma Lilia se tornou uma figura recorrente na mídia quando o assunto é branquitude e antirracismo, temas que incluem reflexões sérias sobre privilégio branco, ou seja, pautas que abordam a forma como pessoas brancas se dão bem só por serem brancas e os negros vivem em piores condições e têm menos oportunidades pela cor da pele.
Aí a gente volta ao artigo. Não pretendo aqui fazer uma análise sobre “Black Is King”, porque ao contrário da Lilia eu reconheço que tem pessoas (negras), mais competentes do que eu para tal, no entanto como jornalista, há 20 anos escrevendo sobre negritude, minha crítica é sobre a relevância que se dão à pessoas brancas que as tornam tão proprietárias da pauta racista que acham que têm que ensinar as pessoas negras , no caso a Beyoncé, a entender como sua arte, sua licença poética para interpretar uma história deveria acontecer.
Em um trecho do artigo Lilia diz: “Mas, como nada na obra de Beyoncé cabe apenas numa caixinha, causa estranheza, nesses tempos agitados do presente, que a cantora recorra a imagens tão estereotipadas e crie uma África caricata e perdida no tempo das savanas isoladas.” A autora está ciente que os vídeos são baseados na história de “O Rei Leão”, mas critica o fato que algumas imagens foram feitas no cenário que é baseado o filme, a savana?
Beyoncé não fez esse trabalho pensando em pessoas como o perfil de Lilia e a historiadora achar que mesmo assim, seu ponto de vista sobre essa obra-prima afrofuturista era digno de artigo seu para a Folha, mostra que há pessoas brancas confundindo o conceito de lugar de fala com a necessidade de palpitar sobre tudo, inclusive sobre que não diz respeito a eles. O racismo é assunto de branco assim como a luta antirracista. “Black is King” diz respeito à comunidade negra. É uma obra feita por negros para negros.
Como Djamila Ribeiro, filósofa e autoridade quando o assunto é lugar de fala nos ensina, a voz da comunidade negra é existência e poder. Quando temas relativos ao universo da comunidade negra são objetos de crítica de pessoas brancas da forma como aconteceu no artigo da Lilia, vemos nossa intelectualidade sendo desmerecida. Pessoas brancas podem criticar a Beyoncé? Podem. Pessoas brancas podem criticar a negritude de Beyoncé. Não.
A imagem de Lilia alongando os dedos para digitar um artigo elogiando, mas também diminuindo os vídeos de Beyoncé e ainda sugerindo que a cantora “saia da sala de jantar deixar a história começar outra vez, e em outro sentido” é a imagem típica elite branca brasileira neo-antirracista, que sabe da existência do racismo, mas na prática, repete hábitos que os colocam como o centro do mundo, os donos da razão que analisam outras culturas pela lente eurocêntrica ( e não por acaso, a estampa de oncinha entra no título da crítica).
Eu sou anti-cancelamento, mas sou uma entusiasta da revisão de pessoas brancas que sempre foram fontes sobre questões raciais. No campo acadêmico, as Ciências Humanas são as que mais atraem a comunidade negra. Temos sim muitos mestres e doutores falando sobre branquitude, racismo e antirracismo. Inclusive, Lourenço Cardoso, Doutor em Ciência Sociais, é um grande nome quando o assunto é branquitude, mas é menos solicitado que mulheres brancas que são pagas para falar sobre o tema em revistas e eventos bacanas.
Sobre Bey ter que entender como se faz antirracismo, não é obrigação dos negros incluir essa pauta em todas as produções. Pessoas como a Lilia só validam questões negras que problematizem o racismo. E somos muito mais que isso.
Como disse antes, não me sinto competente para opinar sobre “Black Is King” sem ser com meu coração afrocentrado, mas concluo deixando uma análise da Doutora em Literaturas Africanas Aza Njeri, essa sim, com autoridade plena para opinar:
“Além de uma análise errada, foi prepotente e muito narcisista. E se soubesse realmente sobre negritude, teria visto ali referências que vão de het heru, mami wata, a estética zulu, massai e mumuila. Errou rude”.
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