Basta de lavar o solo com sangue negro!

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Basta de lavar o solo com sangue negro!
Foto: Freepik

Texto: Ricardo Corrêa

A abolição foi isso. Vocês estão livres para apodrecer e morrer nas sarjetas desse país.

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– Sueli Carneiro

A abolição da escravidão no Brasil é comemorada no dia 13 de maio. Mas confesso que eu não tenho nenhum apreço por esse momento. Não tem como ignorar as péssimas lembranças da infância, e a omissão dos acontecimentos históricos presentes no discurso oficial. A minha repulsa tem origem na escola. Eu não esqueço o constrangimento que os professores causavam a nós, alunos negros, nos dias que antecediam a data.

Estávamos nos anos 80. O livro adotado na disciplina de história tinha a capa amarela com o nome “História do Brasil, volume 1”, repleto de ilustrações e narrativas racistas nos capítulos que abordavam a colonização. Havia figuras de africanos sangrando no tronco, chicoteados pelos europeus, e indígenas sendo evangelizados pelos jesuítas. Os textos eram reproduzidos fielmente pela professora de história; os professores de outras matérias (Estudos Sociais, Geografia e OSPB) também tinham as mesmas conversas.

A história contada por eles é bastante manjada: os africanos “escravos” foram vítimas da crueldade dos portugueses por quase quatro séculos, e receberam a liberdade da bondosa Princesa Isabel, que assinou a Lei Áurea no dia 13 de maio de 1888. Durante as aulas, os olhinhos dos alunos brancos eram lançados aos alunos negros com certo ar de piedade. Pura falsidade! No recreio mostravam a verdadeira face. O passatempo desses branquinhos era nos importunar com papos racistas “cuidado, a princesa assinou a lápis”, “volta pra senzala!”, “vem cá meu escravo”, etc. Tinha alunos negros que até choravam de raiva.

A escola nunca foi um ambiente seguro para as crianças negras. Por isso que não levo a sério os governantes quando prometem ampliar a educação para salvar o país de todos os tipos de preconceitos. Eu me pergunto “de qual educação estão falando?’. Se dependermos desta educação que conhecemos, o racismo continuará guiando os comportamentos e moldando o modo de vida social. O conteúdo escolar precisa ser transformado, as questões raciais devem fazer parte da construção do conhecimento, e digo no aspecto geral, não basta apenas uma disciplina.

Hoje temos melhor compreensão das raízes e nuances do racismo. Por meio de diferentes estudos, percebemos a dimensão da violência que experienciamos na escola, sobretudo, durante a narrativa sobre a abolição da escravidão. A escola fez com que acreditássemos que a história dos nossos ancestrais era de povos passivos e fracos, descobrimos que a benevolência da Princesa Isabel era uma farsa. O discurso camuflava a resistência e as lutas dos povos escravizados, e o papel fundamental do líder quilombola Zumbi dos Palmares. Nenhuma liberdade é concedida passivamente por aqueles que oprimem. Além dessas questões, o sistema educacional não construía as críticas necessárias sobre o pós-abolição, abordando a conexão do passado com o presente. Não podemos esquecer que os ex-escravizados saíram das senzalas e foram jogados nas ruas, abandonados e sem qualquer indenização que permitisse a inserção com dignidade dentro do novo modelo de sociedade. 

Para os negros, o 13 de maio é mais um capítulo utilizado nas denúncias contra o racismo. Exigimos o fim da sistemática violência contra os povos negros. Basta de lavar o solo deste país com o sangue negro! Que país é esse onde o risco dos negros sofrerem assassinatos é três vezes maior do que os não negros? O Estado deve assumir como compromisso inegociável e inadiável a promoção de políticas públicas que acabem com essa violência, promova a igualdade racial, tornando a democracia racial uma realidade. Não é aceitável continuarmos ocupando as piores estatísticas sociais no quesito renda, saúde, emprego, habitação, escolaridade, etc. Ademais, que nunca esqueçamos da reflexão de Abdias do Nascimento: “Eu já costumava dizer que a Lei Áurea não passava de uma mentira cívica. Sua comemoração todo ano fazia parte do coro de autoelogio que a elite escravocrata fazia em louvor a si mesma no intuito de convencer a si mesma e à população negra desse esbulho conhecido como ‘democracia racial’.” 

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