As religiões de Matriz Africana no Brasil e os ataques ao povo do axé

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As religiões de Matriz Africana no Brasil e os ataques ao povo do axé
Foto: Roger Cipó

“Ser de religião de Matriz Africana é acordar com a notícia de que a violência contra nossos templos e adeptos cresceu 50% só no ano de 2019 e não entregar “nas mãos de Deus”.

Além de oração é preciso luta. 

Somos frutos de uma cultura religiosa que resiste aos mais diversos tipos de violências, uma perseguição marcada pelo racismo estrutural que confirma o processo de formação da sociedade brasileira. 

O racismo religioso marginalizou as expressões de crença do povo africano e seus descendentes, no Brasil nenhum outro seguimento religioso sofre tamanha agressão e podemos afirmar que o que motiva essas violências é o fato de ser uma cultura religiosa negra. 

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Há caminhos na sociedade brasileira que propagam as violências como na grande mídia, em programas de televisão de emissoras dominadas por um seguimento evangélico neopetencostal, que abertamente propaga o racismo religioso e incentiva a violência psicologia e física.

Há pouco tempo uma blogueira defensora da causa animal, através de suas redes sociais, nos ligou desonestamente à situações de maus tratos de animais prejudicando a compreensão sobre a nossa prática religiosa e a nossa luta pela “liberdade de alimentação tradicional/família” base de nossa cultura religiosa.

Outro caminho de pedras andado pelo povo de axé é a procura de emprego, empresas, contratantes vem solicitando em suas fichas cadastrais que pessoas declarem sua religião discriminando assim adeptos que declaram-se de Matrizes Africanas.

Nas ruas há episódios de apedrejamento, perseguição aos noviços (Yawo) em período de preceito religioso, constantes pregações em espaços públicos, ônibus, trens, etc.

Nas escolas públicas, algumas dominadas por profissionais evangélicos, violam a máxima do Estado Laico e se recusam a trabalhar a Lei 10.639/03 afastando crianças negras da compreensão da contribuição do povo Africano na construção do Brasil e do mundo, profissionais da educação que obrigam crianças das mais diversas religiões a fazerem orações cristãs.

Ainda nas ruas, mais especificamente na Baixada Fluminense/RJ, bandidos do nomeado “Bonde de Jesus” atacam adeptos e invadem Terreiros aterrorizando o povo de axé com armamento pesado e violência física e psicológica; na Bahia o Acarajé Gospel toma as ruas, no Brasil a Capoeira Gospel que proíbe cantigas tradicionais.

Não contentes com a invasão nos espaços públicos de lei, nos últimos dias a criação de uma polícia paralela dentro da Polícia Militar, policiais a serviço de Cristo recrutados por uma Igreja que tem mostrado seu projeto político de poder apoiada pelo atual presidente da República, tem assustado pessoas das mais diversas denominações religiosas que entendem o absurdo e temem o resultado dele. 

Embora uma tarefa considerada difícil, na contramão desta falácia, são várias as iniciativas organizadas pela sociedade civil a fim de mudar esse quadro que aterroriza o povo de axé.

Em 2018 precisamos defender a constitucionalidade da lei que nos garante a liberdade de culto e nela as nossas práticas particulares a autorização do Sacrifício Religioso.

A investida do MP do Estado do Rio Grande do Sul – o maior consumidor de carne – nos levou para as ruas e através da Organização do Coletivo Religioso Ọkàndìmò, mais de 8 mil adeptos e simpatizantes ocuparam o maior centro comercial de São Paulo – a Avenida Paulista. No mesmo dia 08/08 espalhamos pelo Brasil manifestações com números consideráveis de participantes, uma mobilização nunca vista antes. 

As redes de combate ao racismo religioso espalhadas pelo Brasil tem por objetivo preservar seus territórios sagrados e a sua ancestralidade através de agendas políticas que combatam o Estado racista que prioriza uma educação eurocêntrica e eugenista. 

As atividades visam reforçar a identidade positiva religiosa do povo de axé e promover à sociedade um diálogo a fim de valorizar e fomentar uma cultura de respeito à liberdade religiosa, compreensão às diferenças e o combate ao racismo. 

Trazer para esse diálogo outras religiões e faze-las compreender o seu papel diante a sua comunidade tem sido um caminho importante, o diálogo inter-religioso contribui em ações por uma cultura de paz e de respeito mútuo, cobrando de todas as religiões um compromisso com a garantia dos direitos humanos, da dignidade da pessoa, repudiando e enfrentando qualquer tipo de violência. 

Faz parte do sacerdócio de Iyalorisas e Babalorisas a organização política. Essa será a nossa arma se quisermos de fato fazer mudanças na busca pelo fortalecimento do povo de axé, pela garantia da continuidade, pela segurança de nosso povo e sem dúvidas colocar em prática a resistência ensinada por nossos ancestrais. 

Devemos construir uma outra concepção acerca da cultura afro brasileira no imaginário social, que reconheça e respeite a nossa cultura ancestral e afaste do nosso povo as mais diversas violências que hoje beiram a compreensão que temos de terrorismo. 

Todas as conquistas do povo negro brasileiro – as poucas – são frutos de nosso trabalho e reivindicações diante dos governantes. Devemos fazer com que o governo atual garanta a Laicidade do Estado e assegure nossa dignidade. Não importando quem esteja a frente do Brasil, é direito de todos que a Constituição seja preservada e cumprida. 

Mulher preta, mãe, poeta, candomblecista.
Sacerdotisa de Candomblé, compositora e ativista antirracista pelos direitos dos povos de  terreiro, Yemọjazz, tem uma carreira extensa de atuação nas manifestações artísticas, culturais e sociais negras. É pedagoga com foco na coordenação de projetos pedagógicos de valorização das tradições de matriz africana.

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