Texto: Rachel Maia

Elas são muitas. Para celebrar o dia 8 de março, divido com vocês a minha admiração pelas trajetórias de Elza Soares (1930-2022), cantora e compositora, e das mulheres negras, indígenas, quilombolas, trans, lésbicas, PCDs, brasileiras em geral, que precisam lutar com afinco, mesmo diante de tantas adversidades, a fim de galgar espaços nos mais diversos lugares.

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As mulheres do fim do mundo representam todas nós. Eu, por exemplo, tenho me dedicado muito para que, no mundo dos negócios, as mulheres ocupem posições nos mais diferentes níveis hierárquicos. Hoje, porém, abordo e celebro, especificamente, as mulheres negras, buscando construir uma reflexão coletiva, entendendo que o feminismo precisa ultrapassar as barreiras do racismo.

A Mulher do Fim do Mundo é o título do álbum de 2015 de Elza (título que alude à canção homônima), o qual representa a força e a luta da mulher negra que ousa ir além das estatísticas, da imposição do patriarcado racista e das surras da vida. A intérprete foi considerada, nos anos 2000, a Melhor Cantora Brasileira do Milênio pela BBC de Londres e permanece como referência de competência e entrega até o fim. Em entrevista para Antônio Abujamra, no programa Provocações da TV Cultura, ela fala o porquê de estar estudando outros três idiomas: “Eu estou fazendo um CD de jazz. Eu não quero cantar inglês perfeito, quero ter o sotaquezinho brasileiro, mas é sempre bom você interpretar da melhor forma possível”, afirma, mostrando o seu comprometimento. 

A busca pela excelência faz parte de nós, mulheres negras, em todas as profissões. Não há outro caminho: essa procura vem da nossa ancestralidade, talvez até por sobrevivência. Quando Elza relata que se considera chorona e acredita que isso se deve ao fato de não ter sido uma menina feliz, não ter vivido uma bela infância (foi obrigada pelo pai a se casar com 12 anos), me pergunto quantas de nós tivemos que deixar o choro de lado e seguir lutando.

Da periferia para o mundo

Quando ouço o relato de Elza, uma mulher negra que contribuiu para quebrar paradigmas, e olho para o nosso cenário atual, percebo o quanto é importante validar a nossa luta e a nossa construção histórica. Não é fácil carregar o peso de ser a primeira, não é fácil lutar o tempo todo, mas o que nos move é saber que há crianças negras se enxergando em nossa trajetória. 

Nós não somos só luta e força, somos também desejo, calmaria, inteligência, sagacidade, doçura, amor e muita paixão pelo que construímos (incluindo nós mesmas). Vejam: vem aí uma geração de meninas negras com potência, conscientes de quem são e do que querem, que validam seus sentimentos e contam com lugares de pertencimento. Elas estão se libertando das amarras de estereótipos inseridos na sociedade e alçando novos voos. 

Sueli Carneiro, escritora, filósofa e doutora em educação pela Universidade de São Paulo (USP), fundadora do Geledés – Instituto da Mulher Negra, em seu livro Racismo, Sexismo e Desigualdade no Brasil (2011), ressalta: “A cada novo 8 de março, Dia Internacional da Mulher, celebra-se o contínuo crescimento da presença feminina no mundo dos negócios, nas esferas de poder, em atividades secularmente privatizadas pelos homens, e, em geral, omite-se o fato de as negras não estarem experimentando a mesma diversificação de funções sociais que a luta das mulheres produziu”.    

A escritora destaca também a solidão da mulher negra que ocupa apenas uma ou outra posição de importância. Ressalta ainda a participação de mulheres negras engajadas para uma mudança histórica, combatendo o racismo, a discriminação racial, a xenofobia e a intolerância. Os dados atuais, entretanto, nos mostram que é preciso mais. E, principalmente, que essa luta não é apenas das mulheres negra, e sim da sociedade como um todo.

Segundo informações do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), divulgadas em 2023, somente 17% das CEO das empresas brasileiras são mulheres. Dessas, apenas 4% são negras. Frente a esses números, importante salientar que, quando as mulheres estão no comando, a diversidade aumenta.

Somos múltiplas e dominamos uma pluralidade de saberes. Ocupar espaços, ganhar notoriedade, alcançar a independência financeira e o protagonismo sobre nossa existência é um direito constituído e vamos lutar por isso até o fim – como Elza nos ensinou. Ela nos deixa um legado e nos mostra que não há racismo, sexismo ou etarismo que nos impeçam de seguir. 

Que o trecho a seguir, interpretado por Elza, ecoe no seu e no nosso caminhar: “Eu quero cantar / Até o fim, me deixem cantar até o fim / Até o fim, eu vou cantar / Eu vou cantar até o fim”.

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