O remake do filme O Rei Leão está no topo das bilheterias brasileiras pela quarta semana seguida. O filme já arrecadou US$ 1,334 bilhão em todo o mundo. Desde a estreia no Brasil, ele já rendeu R$ 228 milhões reais. Mais de 780 mil ingressos vendidos entre a última quinta-feira (8) e o domingo (11). Dirigido por Jon Favreau, estreou dia 18 de junho e já é a animação com a maior bilheteria da história.
O escritor Alê Santos fez uma thread no Twitter falando sobre a “camada de filosofia africana” e o significado do Ciclo sem Fim introduzida no filme. Ele fez uma analise da narrativa do filme a partir disso, onde fala da jornada de Simba para se conectar a sua ancestralidade. Confira o texto abaixo:
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A filosofia africana e o ‘ciclo sem fim’ em “O Rei Leão”, por Alê Santos.
A base de muitas sociedades africanas é a busca por um equilíbrio, que vai muito além dos seres vivos: é uma harmonia entre o mundo dos ancestrais, o mundo físico e dos espíritos. Todas as coisas estão conectadas ao princípio da existência, chamado de Ntu para os Bantus. A grande Savana, próspera e tocada pelo sol representa a conciliação de todas as forças existentes. É a expressão das forças em que se expressam Ntu (O homem, o tempo, as coisas, os sentimentos). Essa concepção também considera os recursos naturais e a vida e morte das espécies.
O primeiro contraste que encontramos dessa realidade é o Scar, em uma caverna afastada, solitário, isolado da comunidade. Alguém que se desconectou do equilíbrio e do Ciclo sem Fim. Scar não é tratado como um “vilão” por Mufasa, porque não há essa dicotomia entre bem e o mal. Todas as forças que atuam como sentimentos e expressões humanas estão em uma só categoria da filosofia africana, a Kuntu. Não existe a divisão entre do bem e do mal, somos todos passíveis dessas formas de atuação, isso explica Mufasa não banir seu irmão e aceitar sua proximidade. Existe uma tradição linda que mostra esse pensamento africano, expressa nas palavras Sawabona/Shikoba.
O papel de um rei africano não é relacionado apenas ao seu povo, mas ao equilíbrio de toda a comunidade com as forças da natureza e dos ancestrais. Isso é expresso no diálogo famoso do Mufasa com Simba na pedra do rei e me lembra um Adinkra (que inclusive eu tenho tatuado). Nea ope se obedi hene daakye não, firi ase sue som ansa / Aquele que quer ser rei precisa primeiro aprender o que é servir. – esse Adinkra simboliza a liderança com sabedoria e dignidade, não é sobre subserviência, mas sobre servir ao equilíbrio que mantém o povo em unicidade.
As Terras Sombrias são um prenúncio de desequilíbrio mortal, quando a ganância e o benefício direcionado à um único grupo coloca em risco toda a sobrevivência da Savana. Reis que não respeitam seus ancestrais e o ciclo da vida podem colocar a sociedade em perigo. Assim como Scar as Hienas representam essa força predatória e desgovernada, elas não respeitam a liderança de Mufasa e por isso transformaram suas terras em um grande cemitério.
Longe da Savana encontramos outro lado da desarmonia. Enquanto Scar e as Hienas representam o desequilíbrio baseado na ganância, Timão e Pumba simbolizam a desconexão com o ser e com os ancestrais. Simba tenta esquecer seu passado e acaba esquecendo quem é. Por motivos diferentes, Simba, Timão e Pumba, são emblemas de quem se desconecta do seu povo, seus costumes. Para alcançar uma tranquilidade eles até criam uma filosofia própria e o Leão passa a viver como se não fosse um, mesmo que os outros animais o enxerguem como tal.
Rafiki, o oráculo/sacerdote que me lembra Ocô, um orixá da agricultura que tem forte ligações com as árvores e um cajado de madeira como símbolo. Ele é a ligação com a realidade dos ancestrais no filme e confronta o jovem leão perguntando “Quem é você”? Reconhecer a si mesmo, na visão africana, significa reconhecer sua história e dos que vieram antes de você, sua conexão com todos os que já passaram por este mundo. Simba só restaura sua essência quando olha o rosto de seu pai no espelho d’água.
Ao aceitar sua ancestralidade, o jovem está pronto para enfrentar Scar e assumir o seu papel como Rei Leão. Existem ainda muitos outros aspectos como a matrilinearidade e a importância das leoas como rainhas-mães, conselheiras e guerreiras defensoras do reino. Entender as cosmovisões presentes na África enriquecem nosso conhecimento sobre suas narrativas.
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