- Por Zaira Castro¹
Jurista e Advogada
A adoção é procedimento previsto na forma da Lei nº 8.069/1990, conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que teve aperfeiçoamento da sistemática a partir da Lei 12.010/2009 visando a garantia do direito à convivência familiar a todas as crianças e adolescentes. Vale destacar, que a adoção é medida excepcional e significa que um indivíduo assumirá como filho, uma criança ou adolescente nascido de outrem, de forma definitiva e irrevogável, somente quando esgotados os meios possíveis de manutenção da criança ou adolescente na família natural ou extensa, bem como quando os pais biológicos são desconhecidos, falecidos ou quando foram destituídos do poder familiar.
No entanto, um dos requisitos para quem deseja adotar é que seja maior de 18 (dezoito) anos, e isso independe do estado civil. Além disso, conforme a lei o adotante (aquele que adota a criança ou adolescente) deve apresentar uma diferença mínima de 16 (dezesseis) anos em relação à idade do adotando (aquela criança ou adolescente que é adotado). Todavia, se o adotante for um casal, apenas um dos dois, há de ser 16 (dezesseis) anos mais velho do que o adotando. E o adotando deve possuir no máximo, dezoito anos à data do pedido.
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O ECA também expressa que as gestantes ou mães que manifestem interesse em entregar seus filhos para adoção serão obrigatoriamente encaminhadas à Justiça da Infância e da Juventude que é competente para conhecer os pedidos de adoção. Assim, o passo inicial para o interessado ou postulante em adotar é procurar a Vara de Infância e da Juventude da região em que reside, onde serão fornecidas todas as orientações quanto à documentação a ser apresentada para dar entrada ao pedido de adoção.
E ainda é possível fazer um pré-cadastro antes de comparecer à Vara da Infância e Juventude, através do site de Conselho Nacional de Justiça (CNJ), disponível no link https://www.cnj.jus.br/sna/, e após o preenchimento do respectivo pré-cadastro e provido do número de protocolo e da documentação, deve comparecer a Vara da Infância e Juventude para prosseguir com os demais trâmites.
Contudo, para os postulantes à adoção, domiciliados no Brasil, de acordo o artigo 197-A do ECA, deverá apresentar uma petição inicial na qual contenha a qualificação completa; cópias autenticadas de certidão de nascimento ou casamento, ou declaração relativa ao período de união estável; cópias da cédula de identidade e inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas; comprovante de renda e domicílio; atestados de sanidade física e mental, entre outros documentos como antecedentes criminais. E cabe ressaltar, que após a entrega da documentação, a equipe interprofissional a serviço da Justiça da Infância e da Juventude, elabora um estudo psicossocial, que se dará através de uma entrevista para avaliar a capacidade dos postulantes à adoção para o exercício de uma paternidade ou maternidade responsável.
Em seguida destaca-se a obrigatoriedade da participação dos postulantes à adoção em programa oferecido pela Justiça da Infância e da Juventude, preferencialmente com apoio da equipe técnica responsável pela execução da política de garantia do direito à convivência familiar e dos grupos de apoio à adoção devidamente habilitados perante a referida Justiça, e que inclua preparação psicológica, orientação e estímulo à adoção inter-racial, de crianças ou de adolescentes com deficiência, com doenças crônicas ou com necessidades específicas de saúde, e de grupos de irmãos, observando que algumas Comarcas recomendam a realização do curso anterior à entrega da documentação.
Nesse contexto, importante destacar, a necessidade proeminente de um curso que promova à adoção inter-racial, já que conforme dados do Cadastro Nacional de Adoção (CNA), no relatório total de 46.390 (100,00%) pretendentes cadastrados, 6.490 (13.99%) dos postulantes aceitam crianças da raça branca, e somente 360 (0.78%) postulantes cadastrados à adoção aceitam crianças da raça negra. Portanto é notória que a questão racial permeia o procedimento de adoção, considerando que os interessados em adotar preferem crianças da raça branca, assim culminando na discriminação racial tão balizada no racismo estrutural e institucional. Até o próprio sistema de cadastro de adoção já expôs que apenas 8% das crianças e adolescentre negros são adotados. Muitos dos postulantes à adoção já manifestam os seus critérios e a sua preferência da raça da criança tão logo na entrevista e/ou documentação inicial já que todas as informações irão constar no cadastro de adoção, e visando essa situação, que algumas Comarcas direcionam primeiramente a realização do curso, que segundo a interpretação normativa promove à adoção inter-racial, haja vista diminuir o racismo no processo de adoção.
Entretanto, após certificação do mencionado programa, o processo é encaminhado ao Ministério Público para apreciação e posteriormente a Autoridade Judiciária (Juiz) determina a juntada da avaliação psicossocial, designa audiência de instrução e julgamento, quando se aplica o caso e posterior sentença. E caso não exista diligências, e sendo a sentença favorável o postulante será inscrito nos cadastros do registro de crianças e adolescentes em condições de serem adotados e outro de pessoas interessadas na adoção. Nesse ínterim, a convocação do postulante para a adoção é realizada de acordo com ordem cronológica de habilitação e conforme a disponibilidade de crianças ou adolescentes adotáveis, além dos critérios indicados pelos os postulantes à adoção.
A priori, após informações devidamente cruzadas, a Vara da Infância e Juventude segue com a adoção precedida de estágio de convivência observadas a idade da criança ou adolescente e as peculiaridades do caso, assim como acompanhada pela equipe interprofissional técnicos a serviço da Justiça da Infância e da Juventude, visando a garantia do direito à convivência familiar, que apresentarão relatório sobre a conveniência do deferimento da medida. E destaca-se que o vínculo da adoção dar-se-á por sentença judicial, que será inscrita no registro civil mediante mandado, e por fim a adoção definitiva somente produz seus efeitos a partir do trânsito em julgado da sentença.
Portanto, ao refletir sobre o processo de adoção no Brasil, a primeira coisa que se vislumbra é o racismo, para além dos dados apresentados pelo Cadastro Nacional de Adoção, mas ao lembrar das crianças em abrigos e casas de acolhimento, também existe o fator idade, pois a maioria dos postulantes à adoção deseja uma criança com idade entre zero e 5 anos, o que dificulta a adoção de adolescentes especialmente ao somar ao fator raça, então temos a questão racial significativamente estrutural, inclusive na dinâmica da relação social atravessada no processo de adoção, no qual os corpos negros foram subjugados à opressão.
Além disso, os processos de adoção por vezes são morosos, o que demonstra que apesar de alguns avanços, através da atualização da lei, e a criação do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA) criado em 2019 junto ao Cadastro Nacional de Adoção (CNA) e do Cadastro Nacional de Crianças Acolhidas (CNCA), com o objetivo de auxiliar a elaboração e o monitoramento de políticas judiciárias, regulamentado pela Resolução nº 289/2019 deste Conselho, assim como projetos como “mãe legal”, “ação cidadã ame e adote” e “dia do encontro que incentiva a adoção tardia”, entre outros, ainda há muito que avançar sobre o procedimento de adoção, especialmente referente à discriminação racial.
Por fim, ao repensar muito referente às crianças e adolescentes negras que perpassam o trâmite da adoção, inclusive a inter-racial, lembro do trecho de Frantz Fanon em Pele negra, máscaras brancas, “Cheguei ao mundo pretendendo descobrir um sentido das coisas, minha alma cheia de desejo de estar na origem do mundo, e eis que me descubro objeto em meio aos outros objetos. Enclausurado nesta objetividade esmagadora, implorei ao outro. Seu olhar libertador, percorrendo meu corpo subitamente livre de asperezas, me devolveu uma leveza que eu pensava perdida e, extraindo-me do mundo, me entregou ao mundo. Mas, no novo mundo, logo me choquei com a outra vertente, e o outro, através de gestos, atitudes, olhares, fixou-me como se fixa uma solução com um estabilizador. Fiquei furioso, exigi explicações… Não adiantou nada. Explodi. Aqui estão os farelos reunidos por um outro eu.”
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