Texto: Por Ivair augusto Alves dos Santos
Sofrimento psíquico é comum a todas as pessoas, mas é preciso um olhar mais atento para perceber que as mulheres adoecem mais. É preciso ter uma abordagem específica.
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Após a pandemia de Covid-19, o número de casos de adoecimento mental intensificou-se. E muitas vezes usamos o senso comum para realizar interpretações generalizantes, que podem levar à formulação de estratégias equivocadas para o enfrentamento do problema.
A dra. Edith Seligman, no texto “Acidentes de Trabalho e a dimensão psíquica,” aponta esses equívocos:
– Imaginar que o adoecimento mental só ocorre em pessoas mais frágeis ou “predispostas”.
– Por causalidade, não considerando devidamente fatores do trabalho, assim os transtornos mentais teriam sua causalidade relacionados a fatores externos ao trabalho, como: na violência urbana, no trânsito, em conflitos familiares, falta de dinheiro, etc..
– Vulgarização da psicanálise, que resulta em localizar todas as causas do mal estar no passado infantil.
Todas essas situações fariam parte da cultura dominante permeada de ideologias e preconceitos que dificultam a compreensão do adoecimento. É necessário levar em conta a psicanálise, a psicopatologia do trabalho e a neurologia da ergonomia, além de estudos sobre o processo de organização do trabalho.
Analisando o banco de dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação do Ministério da Saúde, sobre Transtornos Mentais Relacionados ao Trabalho (TMRT) para o Estado de São Paulo constatamos uma predominância de mulheres. Nos últimos cinco anos, de 2017 a 2022, foram notificadas 2810 ocorrências de TMRT em todo o estado de São Paulo e as mulheres representam 68% dos casos de adoecimento mental.
O que explicaria essa predominância de mulheres nesse universo de casos notificados no Estado de S. Paulo?
O Instituto Cactus, em um trabalho denominado “Caminhos em Saúde mental”, levantou algumas hipóteses do motivos dessas mulheres terem mais casos de adoecimento mental.
- Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o gênero implica diferentes suscetibilidades e exposições a riscos específicos para a saúde mental, por conta de diferentes processos biológicos e relações sociais. Ser mulher contempla vivências estruturalmente diferentes daquelas experimentadas pelos homens;
- A sobrecarga de trabalho é apresentada por diversos estudos como um dos principais fatores que deixam as mulheres mais vulneráveis ao sofrimento psíquico. A baixa qualidade de emprego, somada ao trabalho doméstico, que é quase exclusivo para mulheres, traz essa sobrecarga;
- As mulheres são duas vezes mais propensas ao suicídio e automutilação. As maiores taxas de crescimento de suicídios estão entre as mulheres;
- A gravidez não é uma doença e trabalhar durante a gravidez não representa um risco em si. No entanto, durante a gravidez, no parto e no período pós-parto, há riscos particulares para a saúde da mulher e filho/a, que podem implicar a necessidade de uma proteção especial no local de trabalho;
- O racismo, enquanto relação de poder e sustentação de privilégios, produz subjetividades e gera sofrimento nas mulheres negras, que também sofrem discriminação de gênero;
- A saúde mental das mulheres pode ser impactada quando elas são vítimas de violência psicológica, física, sexual e institucional, resultado de práticas sociais e culturais machistas;
- As mulheres procuram mais os serviços de saúde e são estereotipadas como “poliqueixosas”, mas elas, ao mesmo tempo, muitas vezes se calam diante da violência de gênero;
- Durante a crise provocada pela pandemia de Covid-19, agravou-se o cenário por perda da renda e aumento da desigualdade de renda e de acesso a serviços.
Ao examinar o perfil sociodemográfico das notificações no Banco de dados do Sinan de pessoas com TMRT, encontramos os seguintes dados sobre as trabalhadoras: A escolaridade das trabalhadoras com TMRT, é de 43% do conjunto das mulheres que têm curso superior completo, mostrando um importante crescimento educacional dos últimos anos.
Quanto ao item raça e cor das trabalhadoras com adoecimento psíquico, 59% são mulheres brancas e 26 % são mulheres negras. Os sintomas mais comuns de TMRT encontrados são estresse pós-traumático, depressão e ansiedade.
O perfil encontrado das mulheres brancas precisa ser acrescido de uma explicação, pois na verdade a categoria ocupacional predominante, que foi notificada no Sinan está no setor financeiro, onde os cargos de gerência são ocupados majoritariamente por mulheres brancas.
As ocupações com maior incidência de adoecimento são as relacionadas ao setor bancário, profissionais de saúde, trabalhadoras da área da limpeza e profissionais da área da educação.
As mulheres negras estariam na categoria da enfermagem, que é expressiva no registro de TMRT, e que cresceu durante a pandemia da Covid-19.
Dra. Alva Helena deu um depoimento sobre o sofrimento que a pandemia da Covid-19 causou nos profissionais de saúde da linha de frente da assistência: “Não havia EPIs disponíveis, havia a orientação que não era para usar máscaras para não assustar a população, começaram a divulgar os dados de contaminação e morte desses trabalhadores e comecei a ficar absolutamente agoniada com isso tudo”, disse. Segundo o Conselho Federal de Enfermagem morreram cerca de 4.500 enfermeiros durante a pandemia.
As mulheres negras representam 53% dos profissionais de enfermagem, segundo pesquisa realizada pelo Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) em 2017. Apesar de ter um peso relevante na categoria, elas estão concentradas em postos de nível médio, mais precarizados e com menor remuneração. Quase 60% das técnicas e auxiliares de enfermagem são negras.
Os dados do Sinan sugerem a necessidade dos serviços de saúde e de acolhimento psicológico priorizarem o atendimento às mulheres, reconhecendo a necessidade de uma abordagem que leve em conta as especificidades. No caso das mulheres negras, o racismo precisa ser reconhecido como uma prática que afeta sua subjetividade.
O isolamento causado pela pandemia da Covid-19 e a falta de serviços de qualidade para acolher essa demanda (cuidados das pessoas que adoecem) só aumentam o sofrimento e podemos afirmar que vivenciamos uma epidemia da solidão.
É preciso reconhecer a necessidade de nos preocuparmos com a saúde das trabalhadoras em momentos de instabilidade política e desemprego.
O desafio está em reorientar ações de planejamento dos Centros de Referência de Saúde do Trabalhador para que priorizem sua atenção para trabalhadoras. Um trabalho que exigirá um diálogo e parceria com os sindicatos das atividades mais afetadas: trabalhadoras do setor financeiro, profissionais de saúde e das áreas de limpeza e conservação.
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