Por Dr. Ivair Augusto Alves dos Santos

No início do ano nós celebramos o ‘Janeiro Branco’ data que tem o objetivo de alertar a população para os cuidados com a saúde mental, a partir da prevenção das doenças decorrentes do estresse, incluindo os transtornos mentais mais comuns, como depressão e ansiedade. É um período importante para refletir sobre os efeitos do racismo na saúde mental de pessoas negras. A grande maioria da população negra vive em incessante sofrimento mental devido, por um lado, às condições de vida precárias atuais e, por outro, à impossibilidade de antecipar melhor o futuro.

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Como forma de conscientizar a população sobre a importância de procurar ajuda, foi lançado no Brasil em 2014 a campanha Janeiro Branco, que tem por objetivo chamar a atenção para as questões e necessidades relacionadas à saúde mental e emocional das pessoas. Uma excelente oportunidade para se perguntar quais os efeitos do racismo estrutural na vida de homens e mulheres negras.
Os cuidados com a saúde mental são extremamente necessários no mundo em que vivemos. Estamos, o tempo todo, expostos a um bombardeio de informações, sendo cobrados por produtividade como se fôssemos máquinas. São diversos sintomas físicos e psíquicos advindos da permanente condição de tensão emocional, de angústia e de ansiedade, vivida cotidianamente pela pessoa alvo do racismo.

A saúde mental ainda não ganhou a devida atenção das pessoas, que não perceberam que estamos entrando em um vórtice insustentável. A conscientização a respeito dos cuidados que devemos ter com nossa saúde mental frente aos desafios do século XXI é fundamental.

O relatório sobre saúde mental e trabalho, de setembro de 2022, da OMS (Organização Mundial da Saúde) e da
OIT (Organização Internacional do Trabalho) traz o número alarmante de 15% dos trabalhadores adultos vivendo com algum transtorno. O mesmo documento estima que 12 bilhões de dias de trabalho são perdidos anualmente devido à depressão e à ansiedade que custam à economia global quase um trilhão de dólares.

O diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, disse: “Todos conhecemos alguém afetado por transtornos mentais. A boa saúde mental se traduz em boa saúde física e este novo relatório é um argumento convincente para a mudança. Os vínculos indissolúveis entre saúde mental e saúde pública, direitos humanos e desenvolvimento socioeconômico significam que a transformação de políticas e práticas em saúde mental pode trazer benefícios reais e substantivos para pessoas, comunidades e países em todos os lugares. O investimento em saúde mental é um investimento em uma vida e um futuro melhores para todos”.

Racismo, preocupações financeiras, equilíbrio entre vida pessoal e o trabalho, desafios da reintegração social. Para muitos tem sido difícil manter a estabilidade emocional.

Os indicadores de desigualdade racial têm sido denunciados sistematicamente nas últimas décadas pelo movimento negro. Face a esta mobilização, foi criada a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, que foi aprovada pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS) em 2006, instituída pelo Ministério da Saúde (MS) em 2009 e foi inserida na dinâmica do Sistema Único de Saúde (SUS). Enfatiza-se aqui o reconhecimento, desde então, pelo Ministério da Saúde, da existência do racismo, das desigualdades étnico-raciais e do racismo institucional no âmbito do SUS.

A saúde mental da população negra está contemplada no capítulo terceiro da política acima mencionada, quando se define como “estratégias de gestão”: (a) o “fortalecimento da atenção à saúde mental das crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos negros, com vistas à qualificação da atenção para o acompanhamento do crescimento, desenvolvimento e envelhecimento e a prevenção dos agravos decorrentes dos efeitos da discriminação racial e exclusão social” , e (b) o “fortalecimento da atenção à saúde mental de mulheres e homens negros, em especial aqueles com transtornos decorrentes do uso de álcool e outras drogas”

Na Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, a saúde mental está registrada como uma das preocupações. Além disso, o Ministério da Saúde reconheceu que a discriminação racial afeta a saúde mental.

Um problema na implementação de políticas voltadas para a população negra é o acesso aos dados. Temos uma subnotificação dos dados sobre saúde da população negra. A obrigatoriedade do registro do item raça, nos formulários, esbarra na falta de informação por parte dos gestores, como também na negação sobre a necessidade de notificação.

Os estudos sobre a saúde mental da população negra sugerem uma conexão entre racismo e saúde que parece continuar ao longo da vida da pessoa. Elucidam uma gama de possíveis efeitos, os quais podem resultar do estresse do racismo e, por sua vez, comprometer a saúde mental.

O estudo registrado no trabalho denominado “Racismo e os efeitos na saúde mental”, elaborado por Maria Lucia da Silva em 2005 apresentou a seguinte conclusão: “A exposição cotidiana a situações humilhantes e constrangedoras pode desencadear um número de processos desorganizadores dos componentes psíquico e emocional. Sendo um problema para a saúde física e mental da pessoa, esse sofrimento causado pelo racismo passa, necessariamente, a ser um problema de saúde pública. Como tal requer proposições de políticas públicas que garantam o direito a um serviço de saúde mental eficaz direcionado especificamente ao sofrimento da população negra produzido pelo racismo”.

A juventude negra tem desenvolvido a depressão de forma preocupante, chega a ter 45% mais chances do que jovens brancos. A escola fundamental que não tem trabalhado o racismo, não sabe que o racismo impacta na construção da subjetividade de pessoas negras por meio de sentimentos de inferioridade, baixa autoestima, inadequação e sentimento de impotência. Dado que os fatores que determinam a saúde mental têm amplas e diversificadas causas, as intervenções destinadas a promover e proteger a saúde mental devem se fundamentar em uma múltipla série de estratégias, de serviços de apoio e acolhimento que não se limitam a um tratamento clínico.

É necessário investir em saúde mental para pôr fim às violações dos direitos humanos. As pessoas com transtorno mental são excluídas da vida comunitária e lhes é negado o exercício de seus direitos fundamentais.

Não só sofrem discriminação no acesso a empregos, educação, moradia, mas com frequência são vítimas de abuso contra os direitos humanos. As pessoas negras têm que lutar contra o racismo e a estigmatização que acompanham as pessoas com transtornos mentais. Não existe saída, além do acesso a serviços públicos de qualidade para atendimento de pessoas que sofrem os efeitos do racismo na saúde mental.

*Ivair Augusto Alves dos Santos
Mestre em Ciências Políticas pela Unicamp
Doutor em Sociologia pela UnB
Ex-diretor do Departamento de Direitos Humanos da Secretaria de Direitos da Presidência da República.

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