- Por Priscila Fonseca *
Nascida e crescida em Apucarana no interior do Paraná, como sou, onde 3,93% da população se declara como negra, assumir-me negra ainda é um desafio constante.
Moro há 6 anos em São Paulo e foi aqui onde tive espaços de reconhecimento e a oportunidade de me reunir com mulheres negras e me encontrar nas falas, dores, alegrias, amores e potências.
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Hoje me olho no espelho e gosto do que vejo, do tom da pele, de tomar sol, gosto dos meus traços, do meu cabelo, do meu jeito de andar…
Mas quando me lembro das vezes em que ouvi que nada em mim era belo, estremeço.
Meu desafio atual é ser leve, mesmo sentindo um peso constante nas costas, meu esforço é continuar com a coluna ereta, olhar nos olhos e respirar, por mais obvio, é desafiador permitir que o ar entre e saia sem pressa dos pulmões.
Aprendi desde pequena a me virar sozinha, então receber gentilezas e cuidados é um esforço que às vezes dói. Acho que já tomei consciência, mas ainda tenho dificuldade na ação.
Este ensaio fala sobre mim, do meu corpo, do que acredito e da minha ancestralidade, palavra recente e latente no meu vocabulário, não seria eu, se não tivesse buscado saber mais das histórias das minhas avós e se não tivesse buscado por terapia, para me reconstruir com as rejeições vividas na infância, com a falta de professores e colegas negros, terapia para entender que as referências que passavam na tv na infância e adolescência não representavam a realidade. Terapia para viver minha afetividade e sexualidade em plenitude. O autocuidado tem feito cada vez mais sentido, se cuidar para poder compartilhar. Porém sempre, um exercício constante.
Acabo de voltar de uma experiência de trabalho na Amazônia, passei um mês visitando comunidades rurais, ribeirinhas, indígenas e quilombolas em 5 estados do norte e nordeste. Vivenciar em um Brasil que nunca me foi apresentado. Estar nos Quilombos em Mirinzal – MA, entre iguais foi uma experiência de cura, lá a infância demora na contação de história, no correr no terreno, no convívio com a natureza, no banho de rio, lá as crianças são leves, não carregam o peso do racismo.
Foi potência conhecer pessoas que sabem dos seus bisavós, que conhecem a história da escravidão pelo ouvir dos mais velhos, que ouviram dos seus mais velhos e que sabem que o que está nos livros é história única.
Hoje celebro meu novo ciclo, celebro minha beleza, meus traços, minha cor, meu corpo de mulher e negra, celebro os escritos das minhas referências, celebro os abraços das amigas que me acolhem na gargalhada e nas lágrimas, que não são poucas, mas são parte do que sou.
Agradeço o olhar sensível da Francesca, mulher que me apresentou referências fotográficas de mulheres negras de pele escura, que cuidou da luz para que minha pele ficasse natural e me acolheu nas minhas inseguranças.
Celebro Oxum, Ogum, Nossa Senhora, Deus e os Pretos Velhos.
Sendo o que sou reconstruo minha história, fortaleço meu vórtice e sigo.
* Priscila Fonseca coordena o Programa Rede na Associação Vaga Lume. É empreendedora social e profissional de Relações Públicas, pós-graduanda em Comunicação Popular e Comunitária pela Universidade Estadual de Londrina. Já trabalhou na Associação Palas Athena, Ashoka Brasil e na Associação Acorde. É idealizadora do Projeto Salomé – Mulheres Negras Escrevivendo a Própria História.
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