O Brasil registrou, em 2024, o maior número de denúncias de trabalho escravo e análogo à escravidão da história do país, apontam dados do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. Dados divulgados pelo MDHC contabilizam mais de 3,4 mil registros. Na comparação com 2022, o aumento foi de 61%. Entretanto, esse número foi superado em 2024, com quase 4 mil denúncias realizadas (3.959), um aumento de 13% na comparação com 2023. São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro lideram o ranking de denúncias, seguidos por Rio Grande do Sul e Bahia.
Um dos casos emblemáticos é de Maurício de Jesus Luz, 44, contado pela primeira vez em uma reportagem da Folha de S. Paulo, em 2024. Enquanto estava servindo café e água no Tribunal Superior do Trabalho (TST), o garçom teve sua consciência despertada para um passado que até então considerava normal. Entre uma audiência e outra, escutou, pela caixa de som da copa do tribunal, o relato da empresária Simone André Diniz, que denunciou ter sido vítima de racismo ao ser rejeitada para uma vaga de empregada doméstica. O caso, arquivado por falta de provas, levou à responsabilização do Brasil por violação de direitos humanos.
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Para Luz, foi o estopim para compreender sua própria infância e juventude foram. Natural de Tucuruí (PA), após ser abandonado pela mãe foi entregue à avó, que trabalhava sem remuneração em uma fazenda em Imperatriz (MA). Morando em um estábulo, sem acesso a banheiro ou higiene adequada, ele começou a trabalhar aos 4 anos e relata que recebia chibatadas, chutes e xingamentos racistas: “Nunca me chamaram pelo nome. Era ‘neguinho escravo’, ‘filhote de urubu'”, recorda. Com a morte da avó, aos 9 anos, sua carga de trabalho aumentou. Passava o dia inteiro a serviço, muitas vezes sem descanso, vestindo a mesma roupa e comendo o que lhe era dado pela janela.
“Era como se fosse o filho da mucama que ficou. E aí o dono acha que é teu dono também. Eu nunca fui a uma festa, nunca brinquei, era só trabalhar. Você recebe a vida como a vida lhe é oferecida”, relatou ele.
Sem acesso à educação, Luz cresceu acreditando que aquela era a ordem natural da vida. Quando tentou fugir para outra fazenda, esperava encontrar um ambiente menos hostil, mas a exploração persistiu. “Lá, jogava óleo diesel em cupins com a boca, e o patrão ficava com a vara na mão”, conta.
Seu primeiro documento só veio aos 18 anos, concedido por um casal de idosos que o registrou como filho. Com isso, escolheu mudar seu nome de Francisco para Maurício, inspirado em um locutor de rádio.
Casos como o de Luz ainda são comuns no Brasil. Dados do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania apontam um recorde de 3.959 denúncias de trabalho escravo e análogo à escravidão em 2024, um aumento de 13% em relação ao ano anterior. Os estados com maior incidência são São Paulo (928), Minas Gerais (523) e Rio de Janeiro (371).
Segundo o ministro Augusto César Leite de Carvalho, do TST, a escravidão rural tradicional ainda resiste no país, e há um longo caminho até que o Poder Judiciário assuma uma postura mais rigorosa na punição desses crimes. Ele defende que a exploração do trabalhador seja tratada como crime imprescritível de lesa-humanidade.
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