‘Casamento às Cegas Brasil’: advogada destaca que plataformas devem criar protocolo de acolhimento à vítimas de abuso

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‘Casamento às Cegas Brasil’: advogada destaca que plataformas devem criar protocolo de acolhimento à vítimas de abuso
Foto: Reprodução

🚨 ALERTA DE GATILHO🚨A Netflix disponibilizou o episódio de reencontro da quarta edição do reality show “Casamento às Cegas – Uma Nova Chance”, e a cena da participante Ingrid Santa Rita expondo o que sofreu em seu casamento com Leandro Marçal chocou o público. Ingrid relatou que foi tocada sem seu consentimento pelo ex-marido enquanto dormia. Muitas pessoas apontaram um certo descaso da equipe do streaming em não colocar um aviso de conteúdo sensível no início do episódio e ainda submeter Ingrid a dividir o mesmo ambiente que Marçal.

Em uma publicação nas redes sociais, a comunicadora Gabi Oliveira, conhecida como Gabi de Pretas, questionou: “Queria entender o que fez a produção de #CasamentoAsCegas4 achar que era uma boa ideia colocar alguém que diz ter sofrido abuso frente a frente com a pessoa que ela está acusando! A Ingrid falou que mal conseguia olhar para ele sem se sentir mal e o programa quis manter a dinâmica assim mesmo!”, observou ela.

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Conversamos com Zaira Pereira, advogada criminalista, professora de direito em Minas Gerais e membro da rede global de advogadas negras Black Sisters in Law, que explicou como, do ponto de vista da legislação brasileira, Ingrid Santa Rita e demais mulheres que sofrem a mesma violência podem se proteger, além de destacar a responsabilidade das plataformas de streaming: “Os programas de televisão e as plataformas devem criar um protocolo de condutas a serem observadas por todos de um modo geral, condutas estas preventivas que vão primar pelo acolhimento e atenção às vítimas de abuso”. A advogada ainda destacou que: “Qualquer relação sexual não consentida, mesmo que seja entre cônjuges viola a liberdade sexual, a dignidade sexual da pessoa, devendo também ser tratada na esfera penal”.

Como você avalia a responsabilidade das plataformas de streaming, como a Netflix, em fornecer avisos de gatilho para conteúdos que possam causar desconforto emocional nos espectadores?

Zaira Pereira: Primeiro, devemos compreender que no Brasil a lei existe para criar direitos, impor deveres e até punições quando a situação exigir. E a primeira análise pertinente no entendimento do que as plataformas de streaming como a Netflix são, pois a partir daí é que virão os limites de sua responsabilidade. Portanto, é importante compreender sobre a sua natureza jurídica, tendo em vista que sua característica principal é permitir a comunicação e veiculação de conteúdos para seus usuários, sendo, inclusive, vista por alguns como uma instituição “neutra”, o que ao meu ver seria incabível em nosso ordenamento jurídico. O fato de ser uma hospedeira de conteúdo digital não a exime da responsabilidade sobre o conteúdo veiculado e, havendo violação ou ameaça a direitos, necessariamente haverá a responsabilidade civil.

O fato do fornecimento de conteúdos que despertam gatilhos em seus usuários, levando a desconfortos emocionais nos espectadores, é algo que pode ser filtrado, controlado antes da veiculação, pois mesmo sendo estas hospedeiras dos conteúdos, possuem autonomia para moderar o conteúdo a ser postado.

No programa, Ingrid foi colocada frente à frente com seu algoz, mesmo dizendo que se sentia mal de olhar para ele. Quais são as melhores práticas que programas de televisão e plataformas de streaming devem adotar para garantir que vítimas de abuso sejam devidamente acolhidas e protegidas?

Zaira Pereira: Os programas de televisão e as plataformas devem criar um protocolo de condutas a serem observadas por todos de um modo geral, condutas estas preventivas que vão primar pelo acolhimento e atenção às vítimas de abuso. Uma vez que a vítima de abuso resolveu falar, parte do princípio que esta deve ser protegida, nunca ser colocada de frente para o ofensor, e ter a liberdade de expor sua fala em ambiente acolhedor e separado.

Existe a possibilidade de Ingrid tomar alguma ação legal contra a produção ou a plataforma devido à forma como seu caso foi tratado e exibido?

Zaira Pereira: É necessário averiguar se houve o consentimento dela no que tange a cessão do seu direito de imagem e exposição do conteúdo da gravação que deve existir de forma prévia. Caso tenha havido o consentimento, não há que se falar em ação legal contra a produção ou plataforma.

O participante Leandro Marçal pode receber algum processo judicial a partir do depoimento dado por Ingrid no programa?

Zaira Pereira: A conduta de Leandro Marçal narrada por Ingrid no programa é tipificada pela legislação penal em seu artigo 213 – Estupro – no caso em tela com a causa de aumento de pena do artigo 226, II, do Código Penal. É o denominado estupro marital também abarcado pela legislação penal. Qualquer relação sexual não consentida, mesmo que seja entre cônjuges, viola a liberdade sexual, a dignidade sexual da pessoa, devendo também ser tratada na esfera penal. Portanto, Leandro pode sim ser processado na esfera penal, bem como também na esfera cível, haja visto os danos emocionais causados à vítima. O mesmo assume em rede nacional que forçou relações com a vítima, inclusive em momentos que esta estava dormindo. Tal conduta é grave e deve necessariamente ser analisada pelo poder judiciário, principalmente pelo fato de levar a conhecimento da população que toda relação sexual deve ser consentida, não existindo obrigação conjugal de ter sexo forçado, sob pena de estar incorrendo no crime de estupro.

O site Mundo Negro procurou a Netflix, mas não teve resposta.

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