A Mulher da Casa Abandonada é um podcast investigativo roteirizado e apresentado pelo jornalista Chico Felitti onde ele narra sua trajetória investigando uma mulher vivendo em uma mansão abandonada em um dos bairros mais nobres de São Paulo.
O que inicialmente chama sua atenção, para a investigação, é a misteriosa Casa Abandonada, mas Chico descobre que a moradora dessa casa é uma brasileira que fugiu dos EUA após cometer um crime hediondo: manter uma empregada doméstica em situação análoga a escravidão.
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Em primeiro momento gostaria de elogiar o trabalho investigativo de Chico, o roteiro e a narração do Podcast, que além de trazer com uma grande riqueza de detalhes e informações, faz questão de contextualizar fatos, trazer comparativos e explicações do que possa divergir da cultura americana e brasileira – para nosso melhor entendimento – além de paralelos importantes e cautelosos com casos semelhantes já registrados no nosso país.
Chico, a todo momento, narra sua indignação e surpresa ao detalhar o caso e expõe os absurdos sem pudor, demonstrando uma consciência social admirável. Em momentos chave Chico traz reflexões raciais e questionamentos que ajudam ao ouvinte problematizar a forma como o governo, os envolvidos e a sociedade lidam com a escravização moderna de empregadas domésticas e, diferente de outros veículos, faz questão de sempre apontar a cor de pele da vítima, a cor da pele de seus algozes e nos provoca para inversão de papeis em perspectiva aos resultados.
Para entenderem melhor o que estou dizendo, em determinado episódio, Chico Felitti reflete sobre a vizinhança americana da família, responsável por manter em situação análoga a escravidão a empregada doméstica brasileira, se preocupar mais com a possível situação dos animais de estimação da família do que com uma mulher negra sendo mantida nessa situação. Além disso, Chico questiona o status mantido pelo homem condenado pelo crime, uma vez que ele ainda ocupa um alto cargo nos EUA com ganhos aproximados de mais de 1 milhão de reais por ano, mesmo após ser preso pelo crime.
Enfim, estou trazendo todas essas informações sobre o podcast e elogiando a atuação crítica e assertiva de Chico nessa investigação e abordagem narrativa porque quero deixar bem claro que minhas críticas, a seguir, não são referentes a esse trabalho e sim a forma como as pessoas estão recebendo esse podcast.
Desde o dia em que o Podcast foi lançado muito se falou sobre ele na internet, sem tempo para ouvi-lo eu acompanhei alguns amigos online tecendo alguns comentários elogiosos e curiosos com o desenrolar da história. Até esse primeiro momento estava tudo indo bem, coloquei o podcast na minha “TO DO LIST” e segui sem saber muitos detalhes.
As coisas começaram a me parecer estranhas quando eu vi alguns tweets de pessoas criticando influenciadores/tik tokers por irem até o endereço da casa abandonada fazer gravações. As pessoas falavam sobre o quão errado era perturbar a mulher que morava naquela residência. Sem conhecer a história por traz do podcast, que narrava o crime hediondo, concordei com tais críticas em pensamento. Até que finalmente ouvi o podcast e… As pessoas estavam com pena de uma escravagista?
Sim, era isso mesmo, mas não para por ai, há mais nuances nisso tudo. Muitas pessoas estavam na internet defendendo a paz de uma fugitiva do FBI acusada de levar uma empregada negra brasileira para os EUA e a manter em situação análoga a escravidão por 20 anos, mas os influenciadores e Tik Tokers que estavam visitando a tal casa abandonada de Higienópolis não o faziam para punir/criticar ou “tirar a paz” da moradora fugitiva, mas sim para fazer dancinhas e engajar em cima do hype gerado pelo podcast. É isso mesmo que você leu, diante de um podcast que narra a investigação de uma brasileira fugitiva do FBI por manter uma empregada negra escravizada por 20 anos nos EUA, as pessoas estavam indo até a casa abandonada para fazer dancinhas para o TIK TOK.
Talvez esse texto fique repetitivo, mas quero deixar bem claro o quão indignado eu fiquei ao descobrir isso.
Chico Felitti em momento algum da abertura no Podcast para que as pessoas achem que se trata de uma ficção ou para que romantizem os acontecimentos ali narrados. Em determinados episódios eu chorei ao imaginar a situação dessas pessoas, uma dor que vem do peito misturada com indignação e raiva por ainda vivermos em uma sociedade que permita que mulheres negras sejam escravizadas dessa forma, eu simplesmente não consigo entender como e porquê pessoas passaram a banalizar tanto os fatos ali narrados a ponto de ter pessoas defendendo a “paz e não exposição” da criminosa fugitiva e também o porquê de acharem razoável irem até o local como se fosse um ponto turístico divertido para dancinhas no Tik Tok. Eu cheguei a acompanhar até mesmo influenciadoras de milhões de seguidores colocando pomada em seus rostos dizendo fazer “cosplay da mulher da casa abandonada”, uma fugitiva do FBI acusada de levar uma empregada doméstica brasileira aos EUA e mantê-la em situação análoga a escravidão por 20 anos (mais uma vez a repetição aqui, dotada de indignação).
No final de todo esse processo me resta realmente uma desesperança de que um dia possamos, em uníssono, dizer basta a desumanização de corpos negros que ainda é tão latente em nosso país que gere casos como esse diante de uma sociedade apática e imóvel que considera razoável tornar um trabalho investigativo que busca expor esses absurdos em um possível espaço para se ganhar seguidores com dancinhas e vídeos sensacionalistas paras redes sociais.
A Chico Felitti meus parabéns pelo trabalho e condução da investigação que venho acompanhando com dor no peito pelo teor, mas com admiração pelo profissionalismo.
A Mulher da Casa Abandonada é um podcast da investigativo da Folha, roteirizado e apresentado pelo jornalista Chico Felitti e pode ser encontrado no Spotify. Os episódios são divulgados as Quartas-Feiras na plataforma.
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