Maternidade e carreira: por que ainda precisamos falar sobre isso?

Por Kelly Baptista*

Sejamos sinceros. Vida pessoal e profissional nunca foram apartadas. O que tínhamos eram apenas paredes dividindo os espaços físicos, pois tudo sempre esteve integrado de certa forma. Levávamos nossos filhos para o trabalho e o trabalho para a nossa casa.  

O que acontece é que na pandemia essas “paredes caíram”, e então ficou insustentável não falar de carreira com filhos e reorganizar a gestão de todos os nossos papéis.

Nenhuma mulher deveria precisar escolher entre maternidade e carreira, mas não é isso que os dados mostram. A pesquisa Crescer, de 2019, apontou que 94% das mulheres relatam ter dificuldade para conciliar a carreira com a maternidade e 64% disseram ter tido a carreira prejudicada – seja porque tiveram de recusar projetos mais ambiciosos ou promoções para terem tempo para a família, ou porque deixaram de ser promovidas por serem mães.

A ideia de que a maternidade é uma sentença para a carreira das mulheres existe. Infelizmente, há fundamento nessa crença: metade das mulheres grávidas são demitidas em até dois anos após a volta da licença-maternidade.

Quando nos voltamos para as mulheres pretas e periféricas, a pandemia teve um impacto diferente e a questão deve ser vista sob outro prisma. No Brasil, 63% das casas chefiadas por mulheres negras estão abaixo da linha da pobreza, segundo a Síntese dos Indicadores Sociais, do IBGE. Em 2018, de acordo com o estudo, esse valor representava aproximadamente R$145 mensais, por pessoa. 

Pessoas negras, consideradas de um grupo menos escolarizado, não foram beneficiadas pelo home office. Nesse grupo, as mulheres são maioria em quase todas as atividades não-essenciais de atendimento aos grandes públicos, como os serviços domésticos, a alimentação, a beleza, a hotelaria e o entretenimento. 

Observando estes cenários, são inegáveis os impactos na saúde mental, já que a tripla jornada, isolada de redes de apoio, somada à tentativa de corresponder às expectativas de dar conta de todas essas tarefas, leva as mulheres a vivenciarem a frustração, o cansaço extremo, irritabilidade e altos níveis de estresse. 

O livro Deixe a Peteca Cair, da escritora negra norte americana Tiffany Dufu, traz uma valiosa lição: tudo o que precisamos é deixar a peteca cair! Depois da maternidade, ela entendeu que abrir mão de controlar tudo e delegar parte das tarefas ligadas ao cuidado dos filhos e da casa ao marido, reavaliar suas expectativas, diminuir sua lista de afazeres, pedir ajuda ao companheiro e a outras pessoas, abriu o espaço de que precisava para florescer no trabalho, além da possibilidade de desenvolver uma relação doméstica mais significativa e profunda. 

Desta forma, #TáTudoBem é uma mensagem que nos acompanha nesses tempos pandêmicos, mas que faz ainda mais sentido para as profissionais que são mães. Tá tudo bem sentir medo, tudo bem sentir desespero, tá tudo bem sentir que está deixando os pratos caírem, se sentir culpada, ter dias ruins e dias um pouco melhores. Conciliar maternidade, trabalho e as diversas outras responsabilidades da mulher já era difícil. Sobretudo agora, nesse cenário atípico, cada uma vivendo esse momento da maneira que consegue. O que não deve tirar de nós nossos sonhos e ambições para chegarmos ao que é ideal para nós em todas as esferas de nossas vidas. E tá tudo bem. 

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