O “Guia do Mochileiro das Galáxias” é um clássico da literatura de ficção científica escrito por Douglas Adams (1952-2001). Foi traduzido para diversos idiomas e ganhou versão cinematográfica em 2005, dirigida por Garth Jennings. A saga gira em volta do inglês Arthur Dent, que após ter sua casa destruída por máquinas, recebe as revelações de que seu amigo, Ford Prefect, é um alienígena e a Terra será destruída para a construção de uma via espacial. A partir desse plot inicial, os amigos iniciam uma série de aventuras e desventuras, em que se somam à dupla outros personagens carismáticos, como o robô depressivo Marvin, a humana Tricia McMillan e o presidente da galáxia Zaphod Beeblebrox.
Os amantes da saga, decidiram homenagear o autor no dia 25 de maio, escolhendo a toalha como símbolo da reverência, já que em seu Guia o autor descreve a toalha como objeto crucial para dar apoio psicológico, se esquentar, ajudar em uma luta após ser umedecida, como proteção ao deitar-se nas areias das praias de Santragino V e claro, se enxugar. Em 25 de maio de 1977 estreou o primeiro filme da saga ‘Star Wars‘ e alguns nerds decidiram celebrar a data em Madrid, assim a celebração se espalhou e hoje conhecemos a data como Dia da Toalha ou Dia do Orgulho Nerd.
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Apesar da fama que nerds ganharam de serem pessoas muito inteligentes, mas excluídas, o que podemos constatar em grupos e fóruns é uma forte resistência às mudanças e, sobretudo, racismo e outra série de preconceitos contra minorias, contrariando inclusive o conteúdo das obras que são símbolos de narrativa a favor da igualdade, como X-Men e Super Choque, por exemplo.
Para a roteirista Thais Hern, de 33 anos, as pessoas brancas estão desacostumadas a dividir certos espaços, incluindo o do consumo de cultura pop. “A comunidade nerd é um reflexo da nossa sociedade, então não teria como ela não ser racista. O que acontece em situações de nicho como a comunidade nerd é que fica mais aflorada a sensação de que aquilo te pertence. Em nichos, pessoas brancas acreditam que aquilo pertence a eles e pronto”, diz.
Fundador do Nigeek, um espaço de produção de conteúdo de pretos para pretos, que também é uma marca de camisetas e outros produtos, o designer gráfico e ilustrador Renato Cafuzo (33) sofreu com ataques racistas a sua página, mas crê que há um processo de mudança em andamento. ”Manter a integridade do Nigeek foi tranquilo enquanto marca. Só fomos verdadeiros nos porquês de tudo que acreditamos e fomos acolhidos por quem também acredita. Nossa maior preocupação foi com as pessoas que foram expostas nesse ataque. Algumas pessoas foram perseguidas nas redes, e chegaram a ter que ficar um tempo off. Sobre a comunidade ser racista ou não, boa parte é sim, vide esse caso. Mas tenho fé num amadurecimento de alguma forma”, reflete.
Antes era impossível encontrar representatividade dentro das produções nerds e hoje temos pessoas que produzem isso visando reforçar a representatividade de crianças pretas que estão entrando nesse mundo. Nos anos 90 tínhamos a Tempestade, na bem-sucedida série animada dos X-Men, mas outras fontes de referência vieram, como os filmes do Blade e a popularização do Super Choque e do Lanterna Verde John Stewart. Com mais personagens e produções capitaneadas por pretos, mais passos se dão para inserção de gente negra num universo artístico rico em vários aspectos. No Brasil, tivemos recentemente a aparição para um público maior de artistas como Jefferson Costa, ilustrador da HQ ‘Jeremias – Pele’ e autor de ‘Roseira, Medalha, Engenho e Outras Histórias’.
Assim como Thais, Costa acha que uma parte da comunidade nerd enxerga com estranheza, para não dizer o mínimo, a presença de pessoas pretas inseridas nesse universo. “Ao olhar de uma comunidade nerd que não considera pessoas pretas, nem como parte integrante, público integrante, vide os chiliques quando se insere uma personagem preta num universo nerd popular, nem produtor, no sentido de que um produtor preto é lido como um produtor de conteúdo étnico, com viés que separa como nicho do nicho com a intenção de diminuir, sem reconhecer o viés já existente no conteúdo nerd popular, dominante, universal”, reflete o quadrinista.
De fato, tivemos uma movimentação intensa nas redes em momentos em que atores pretos encarnavam heróis originalmente brancos, como foi o caso de Michael B Jordan como o Tocha Humana e até ataques racistas contra a atriz Anna Diop, que interpreta uma personagem que nas HQs é laranja!
A maior parte dos ícones da cultura pop foram criados quando não havia preocupação em vender para pessoas negras. Todas as criações são resultado da visão eurocêntrica em torno do ideal de herói para os criadores, mas as demandas mudaram como aponta Jefferson: O grande problema é o olhar de o preto não ser um agente de narrativas, ser um preto nerd geek é ser um cowboy, mesmo que querendo representatividade querer ver o cowboy preto, mas ainda um cowboy, Ou como subversivo indígena, portanto corpo estranho. Em qualquer meio, o corpo preto é um corpo em movimento de ocupação, de tentativa de transformação, seja por objetivo de integrar a universalidade ou não”, conclui.
Embora a produção nerd ofereça obras que chamam à reflexão e seja uma preocupação dos autores refletir a necessidade de mudança, o que se vê entre os consumidores é uma dificuldade de compreensão das mensagens. Ainda que o visual colorido característico da produção geek/nerd seja chamariz primário, é difícil compreender como alguém não consegue entender a premissa básica de X-Men, que é didático em sua analogia sobre discurso antirracista ou fãs de Star Wars que simpatizam com governos fascistas.
O roteirista Rafael Calça (37), parceiro de Jefferson Costa nas duas aclamadas HQS do Jeremias, “Pele” e “Alma” entende que a ideia de nerds serem um grupo acolhedor caiu por terra. “Por muito tempo descreveram a comunidade nerd como uma tribo que se encontra. Mas, na verdade, é algo muito tóxico e agressivo quando se é minoria representativa. Hoje eu tenho orgulho, de verdade, de ter companheiras e companheiros de luta nesse mundo de imaginação e realidade. De fantasia e sonhos lúcidos. Criar histórias é a forma com que me expresso e é um orgulho falar com tanta gente aberta a escutar. O resto. Bom, eles não entendem o que supostamente gostam”, diz Calça.
A PerifaCon é um exemplo do crescimento constante de tomada de espaço por um público periférico, consumindo aquilo que os representa, seja do alternativo ou do mainstream. O evento reuniu milhares de jovens em sua última edição presencial e a promessa era de crescimento antes da pandemia. Enquanto isso, dentro das grandes editoras de quadrinhos e das produtoras de cinema há um esforço para ressignificar antigos símbolos e estabelecer novos rostos. Um exemplo disso é que, no próximo filme do Capitão América, o personagem será encarnado por um ator afroamericano, um possível filme do Superman preto, e ganho de importância de personagens originariamente negras como Super Choque, Tempestade e Luke Cage.
É como conclui Rafael Calça: “Uma parte sim ainda não entendeu que histórias devem ser plurais, para todos. Mas muita gente preta está se vendo em obras novas e por isso consumindo mais, isso é o mais importante, as novas gerações irão entender o mundo de uma nova forma”.
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