Nova pesquisa traz dados inéditos sobre abordagens policiais e outras experiências com agentes de segurança
A pesquisa Elemento Suspeito, coordenada pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania confirma, com dados inéditos, que o racismo constitui o cerne da atividade policial e do sistema de justiça criminal – além de revelar a dimensão traumática dessas abordagens. O boletim do estudo, batizado de Negro trauma: racismo e abordagem policial no Rio de Janeiro foi lançado nesta terça-feira (15), em meio a recentes casos noticiados em que jovens negros foram considerados elementos suspeitos pelos agentes de segurança – como o caso do jovem Yago Corrêa de Souza, preso ao comprar pão no Jacarezinho.
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O boletim Negro Trauma revela o universo das abordagens policiais na cidade do Rio de Janeiro e também outras experiências dos cidadãos com a polícia, além da avaliação da população sobre os agentes de segurança. A primeira parte da pesquisa foi quantitativa: a partir de um rastreamento com 3500 pessoas em pontos de fluxo na cidade, foram feitas 739 entrevistas detalhadas pelo Instituto Datafolha. A segunda parte foi qualitativa: foram realizados grupos focais e entrevistas com jovens moradores de favelas, entregadores, motoristas de aplicativos, mulheres e policiais. Desta forma chegou-se ao perfil predominante de pessoas consideradas reiteradamente suspeitas pelos policiais e escolhidas para as abordagens.
Assim como na primeira pesquisa, comprovou-se que são os jovens negros os maiores alvos dos agentes de segurança. Enquanto 48% da população da cidade do Rio de Janeiro é negra, o percentual de pessoas negras abordadas pela polícia chega a 63%. Um quinto (17%) dessas pessoas já foi parada mais de 10 vezes.
Quando olhamos o local das abordagens, percebemos que atividades comuns para pessoas brancas são vistas como suspeitas para pessoas negras. Negros são 68% dos abordados andando a pé na rua ou na praia, 74% em vans ou kombis, 72% nos carros de aplicativos, 71% no transporte público, 68% andando de moto e 67% em um evento ou festa. Em todas as modalidades de abordagem, sem exceção, os negros são mais parados do que os brancos.
As ações são acentuadas por idade, gênero, cor, classe e território e por isso os pesquisadores utilizaram o índice IGCCT (com as iniciais de cada fator) para analisar os resultados. O que cria um perfil típico dos abordados: homens, negros, até 40 anos, moradores de favela e periferia, com renda até três salários mínimos. A distribuição desses fatores entre os que foram parados mais de 10 vezes é extremamente reveladora das características do elemento suspeito do ponto de vista policial: 94% eram homens, 66% eram negros, 50% tinham até 40 anos, 35% moravam em favelas, enquanto 33% moravam em bairros de periferia e 58% ganhavam de zero até três salários mínimos.
“O papel dos agentes policiais camufla os papéis igualmente decisivos de delegados, promotores, juízes e agentes penais na manutenção e reprodução cotidiana do racismo. Puxamos o fio de uma meada: o ‘elemento suspeito’ depois se confirma como ‘culpado’ e, depois, como ‘criminoso condenado’, cumprindo ‘pena de prisão’, que, por sua vez, produz o perfil do elemento suspeito: o chamado círculo vicioso”, explica Silvia Ramos, que coordenou a pesquisa atual e a de 2003.
Violência nas abordagens
As abordagens implicam vivências que muitas vezes não se traduzem em violência física ou verbal, mas em situações de humilhação e constrangimento, que foram as palavras mais ouvidas nos grupos focais com jovens negros.
Ao olharmos a pesquisa de 2003 e a de hoje, podemos ver que as ameaças durante as abordagens passaram de 6,5% para 23%. Mas a experiência violenta mais comum é ter uma arma diretamente apontada para si: o uso de armas apontadas para os abordados foi 9,7% em 2003 para 28% na pesquisa atual.
São essas múltiplas experiências de violência que levam aos vários traumas psíquicos vivenciados por pessoas pretas. As abordagens têm um efeito prolongado sobre a vida dos sujeitos entrevistados, provocando mudanças no comportamento, na escolha dos trajetos, nos horários de trabalho e de lazer, na forma como se vestem ou utilizam seus cabelos e acessórios. Um dos entrevistados disse: “Eu fico pensando: como será minha vida? Eu vou aguentar ser parado pela polícia todo dia?”
Além do freio do camburão: outras experiências com a polícia
Nesta edição da pesquisa, outras experiências com a polícia, para além da abordagem policial foram consideradas. Entre os entrevistados, negros são 70% dos que presenciaram a polícia agredindo pessoas, 79% dos que tiveram suas casas invadidas e 74% dos que tiveram um parente ou amigo morto pela polícia.
A dimensão traumática causada pela abordagem policial que persegue os elementos que julgam ser suspeitos vai além do enquadro ou do freio de camburão. Há outras ações dos agentes de segurança que impactam a vida das pessoas negativamente. O racismo cotidiano ganha forma nessas experiências.
Avaliação das forças de segurança
A pesquisa também perguntou aos entrevistados sobre a avaliação da PM em relação a eficiência, respeito, racismo, corrupção e violência. As pessoas também deram notas para as forças de segurança. A polícia Militar teve o pior desempenho entre os participantes do estudo com nota 5,4.
As notas são as médias de todos os entrevistados, considerando que alguns grupos fizeram avaliações mais negativas da Polícia Militar: 45% das pessoas pretas reprovaram a Polícia Militar (isto é, deram nota menor que 5); 23% das pessoas brancas e 28% das pessoas pardas também reprovaram a PM. Apenas 3% consideram a PM nada corrupta e 7%, nada violenta.
Sobre operações policiais, 80% dos entrevistados acreditam que elas precisam existir, mas quase a totalidade (97%) discorda que a polícia poder ferir e matar pessoas nessas ações.
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