A celebração da existência de um intelectual negro como Eduardo de Oliveira e Oliveira (1923-1980), que marcou o pensamento negro na década de 1960 e 1970, poderia ser tema de muitos seminários e homenagens. O problema é que a militância exige diariamente estar em um combate a cada instante. E nem sempre há tempo pra reflexão de antigos griots.
O professor Antônio Candido fez o seguinte depoimento sobre Eduardo de Oliveira e Oliveira: “Convivendo com Eduardo de Oliveira e Oliveira, sentia-se a fundo a dignidade do homem inconformado; aquele que diz – não – e obriga os outros a sentirem o peso inquietante desse não saneador. Sentia-se também a qualidade rara dos que têm na vida um objetivo verdadeiro para acondicionar os atos e dar sentido ao pensamento. O requinte, a impecável cortesia emprestavam um gume singular à força de sua coragem e à integridade de todo o seu ser..”
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O pensamento de Eduardo de Oliveira e Oliveira pode ser localizado na intersecção entre a crítica à sociologia de relações raciais da USP, o diálogo com o novo ativismo político negro em São Paulo dos anos 1970 e um intercâmbio com pesquisadores e intelectuais dos Estados Unidos, país de onde trouxe a ideia do Núcleo de Estudos na UFSCAR, projeto (não concretizado) precursor dos NEABs contemporâneos.
Eduardo de Oliveira e Oliveira, sociólogo formado em 1964, pela USP, foi um dos pioneiros no estudo sobre relações raciais e sobre o pensador antilhano Frantz Fanon no Brasil. Eduardo recorre a Fanon para elaborar uma crítica às limitações teóricas ao marxismo como ferramenta teórica para estudar as questões das relações raciais.
A identidade teórica com o pensamento de Frantz Fanon se dá por ser um cientista social negro, identificado com uma realidade semelhante à brasileira e com a seguinte indagação: “até que ponto o marxismo tentando provar que é universal não é também etnocêntrico?”
Transcrevo um trecho do artigo do professor Eduardo de Oliveira e Oliveira: “De uma ciência Para e não tanto sobre o Negro”, apresentado na 29ª Reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, em julho de 1977.
Pela primeira vez o tema sobre negro foi apresentado na SBPC. Segundo Eduardo de Oliveira e Oliveira, o cientista Fanon pretendeu transcender o marxismo levando em conta a questão do negro:
“1- Marx eleva o proletariado como classe revolucionária e subestima desdenhosamente o papel de outras classes e grupos. Fanon por outro lado, eleva o campesinato e o lumpemproletariado.
2- Marx acentuou as áreas urbanas, enquanto Fanon acentua as áreas rurais.
3- Marx viu a Europa como estágio no qual o moderno drama do conflito seria trabalhado; Fanon por sua vez apontava para o Terceiro Mundo.
4- Marx estava parcialmente comprometido com o uso da violência revolucionária. Fanon via a violência como uma necessidade absoluta no processo revolucionário.
5- Marx enfatizou a fidelidade de classe e o conflito de classes, Fanon ressaltou e reconciliou os conflitos de classe e “raça”
6- Marx negou o nacionalismo por internacionalismo; Fanon viu o nacionalismo como degrau necessário para o internacionalismo.
7- Enquanto Marx confia na classe burguesa para o progressismo e revolucionismo na Europa, Fanon via a burguesia no Terceiro Mundo como inepta, imitativa e inútil
8- Marx sustentou uma concepção quase totalitária da imediata situação post-revolucionária. Fanon rejeitou isto em favor do completo comunalismo liberal”
Reverenciar Eduardo de Oliveira é promover um bom debate sobre a contribuição teórica e militante que um intelectual negro nos deixou como legado e influência sobre o movimento negro no século XX.
Para aprofundar os estudos sobre Eduardo de Oliveira, recomendo a leitura dos seguintes textos:
Cf. GUIMARÃES, Vera; HAYASHI, Maria. Inventário analítico da coleção “Eduardo de Oliveira e Oliveira”. São Carlos: Arquivo de História Contemporânea/Secretaria da Cultura de São Paulo, 1984.
Oliveira, Eduardo Oliveira para e não tanto sobre o negro . De uma ciência https://aterraeredonda.com.br/de-uma-ciencia-para-e-nao-tanto-sobre-o-negro/
OLIVEIRA, Eduardo de Oliveira e. Uma Quinzena do Negro. In: ARAÚJO, Emanoel (Curadoria). Para nunca esquecer: negras memórias, memórias de negros. Brasília: Ministério da Cultura/Fundação Cultural Palmares, 2001.
__. Discurso na Quinzena do Negro. In: RATTS, Alex. Eu sou Atlântica: sobre a Trajetória de Vida de Beatriz Nascimento. São Paulo: Imprensa Oficial/Instituto Kuanza, 2007.
CARONE, Iraí. A flama surda de um olhar. In: Psicologia social do racismo: estudos sobre branquitude e branqueamento no Brasil. Petrópolis: Vozes; 2014.
SILVEIRA, Paulo Fernandes. Movimento negro e Ditadura; In https://aterraeredonda.com.br/movimento-negro-na-ditadura-militar/
RATTS, Alex. Corpos negros educados: notas acerca do movimento negro de base acadêmica. Nguzu, Londrina, v. 1, n. 1, p. 28-39, 2011.
TRAPP, Rafael P. O Elefante Negro: Eduardo de Oliveira e Oliveira, raça e pensamento social no Brasil. São Paulo, Alameda, 2020.
Documentário “O negro, da senzala ao soul”. TV Cultura, 1977. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=5AVPrXwxh1A.
Documentário “Orí”. Raquel Gerber, 1989. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=DBxLx8D99b4.
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