Xirê de Rua: Um Ritual de Resistência e Celebração da Cultura Afro-Brasileira

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Xirê de Rua: Um Ritual de Resistência e Celebração da Cultura Afro-Brasileira
Foto: Sidney Reis

O espetáculo da CIA de Dança AfroOyá, dirigido por Tainara Cerqueira, traduz em movimento a ancestralidade, a luta e a espiritualidade da negritude brasileira.

Texto: Rodrigo França

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O espetáculo Xirê de Rua, da CIA de Dança AfroOyá, é um marco na cena cultural contemporânea, destacando-se pela maneira como celebra a ancestralidade africana enquanto reflete sobre a resistência negra e a luta pela liberdade. Sob a direção e coreografia de Tainara Cerqueira, a obra é uma experiência visual, sonora e emocional que resgata as raízes de um povo, traduzindo-as em linguagem artística vibrante e atual. Realizado em oito quadros, o espetáculo explora a força da coletividade, evocando a espiritualidade e a resiliência da negritude brasileira, especialmente nos contextos urbanos onde essas histórias de resistência continuam a pulsar.

O título do espetáculo, Xirê de Rua, remete ao termo iorubá “xirê”, que simboliza a roda de celebração e dança em homenagem aos orixás. É justamente essa circularidade — tanto nos movimentos quanto na narrativa — que dá vida à performance. Dividido em quadros como Cortejo, Ramunha dos Imigrantes e Resistir para Existir!, o espetáculo aborda temas que atravessam séculos: desde a migração forçada dos povos africanos até a adaptação às grandes metrópoles brasileiras, com destaque para a luta cotidiana por liberdade e dignidade. Tainara, ela própria uma migrante nordestina em São Paulo, utiliza sua experiência pessoal e coletiva como inspiração para construir uma narrativa política e artística que ressoa tanto nos palcos quanto na memória dos espectadores.

Xirê de Rua (Foto: Sidney Reis)

Tainara Cerqueira tem se destacado como diretora de movimento em diversas produções teatrais, como “Pequeno Manual Antirracista”, o musical “Rita Lee” e espetáculos da cantora Larissa Luz. Sua atuação enriquece as montagens com uma linguagem corporal que dialoga profundamente com as temáticas abordadas. Em 2024, Tainara integrou o coletivo Aquilombamento Ficha Preta, contribuindo como diretora de movimento em peças como “JORGE pra sempre VERÃO” e “Angu”. Seu caminhar para a direção teatral, com projetos previstos para o próximo ano, representa um avanço significativo na representatividade de mulheres negras no teatro e no cinema brasileiro, fortalecendo a diversidade e a inclusão nessas artes.

Os bailarinos e bailarinas de Xirê de Rua merecem destaque pela entrega cênica e técnica impecável. David Sena, Bruno Conceição, Rafa Leal, Lisa Gouveia, Magnata, Maiwsi Ayana, Munique Costa, Victoria Fonseca, Drama Original, Safira Sacramento e Guinho Araújo formam um grupo diverso e coeso, que enriquece o espetáculo com suas singularidades. Cada artista imprime em cena a intensidade de suas vivências e o domínio dos variados estilos de dança apresentados — do samba reggae ao maculelê, passando pela capoeira e pela dança dos orixás. O elenco não apenas dança; eles contam histórias, evocam memórias e, sobretudo, criam um espaço de encontro entre o público e a essência da cultura afro-brasileira.

A coreógrafa Tainara Cerqueira é o coração pulsante deste trabalho. Sua abordagem vai além da técnica; é um ato de resistência cultural e uma ode à ancestralidade. Formada no Centro Cultural Quilombolas de Luz, Tainara tem uma conexão profunda com a dança afro-brasileira e sua capacidade de transformar vidas. Sua formação pelos renomados mestres como Zebrinha, Nildinha Fonseca e o capoeirista Contramestre Gugu Quilombola enriquece ainda mais sua prática artística, fazendo de Xirê de Rua um espetáculo carregado de autenticidade e sofisticação. É notável como sua visão dialoga com o passado sem perder de vista o presente e, principalmente, o futuro. Tainara demonstra que a dança é mais do que movimento; é uma forma de resistir, construir e curar.

Xirê de Rua (Foto: Sidney Reis)

A contribuição musical de Xirê de Rua é outro ponto alto. A percussão, comandada por Xorão Trinda, Priscila Borges, Gui Assis e Kidsan, dialoga perfeitamente com as vozes impactantes de Jéssica Américo e Theodoro Nago, criando uma atmosfera de celebração e reverência. Esses elementos, somados à cenografia de Ogbá e aos figurinos de Maiwsi Ayana, resultam em uma obra multidimensional que é ao mesmo tempo espetáculo e ritual. A iluminação assinada por Renato Banti valoriza cada quadro com maestria, transformando o palco em um espaço de transcendência.

Priscila Borges, mestra na dança afro-brasileira e cofundadora da CIA de Dança AfroOyá, é uma força criativa indispensável para o sucesso de Xirê de Rua. Sua atuação como assistente de coreografia e diretora de produção reflete sua profunda conexão com a ancestralidade africana e sua habilidade excepcional de transformar movimentos em narrativas poderosas. Com uma trajetória marcada por rigor técnico e sensibilidade artística, Priscila traz ao espetáculo uma energia vibrante e um olhar refinado, que ampliam a complexidade e a beleza da obra. Sua parceria com Tainara Cerqueira é a união perfeita de talentos complementares, resultando em um trabalho que é, ao mesmo tempo, uma celebração das raízes afro-brasileiras e uma afirmação de sua relevância contemporânea.

Xirê de Rua é mais do que uma peça de dança; é um manifesto. Com sua proposta de unir arte e política, o espetáculo reafirma a relevância das tradições afro-brasileiras em um mundo onde a luta pela igualdade ainda é urgente. A CIA AfroOyá, sob a liderança de Tainara Cerqueira, consolida-se como uma das mais importantes companhias de dança do país, abrindo caminho para novas narrativas e representações. Assistir a Xirê de Rua não é apenas apreciar um espetáculo excepcional; é também compreender que a arte pode ser um poderoso instrumento de transformação e resistência.

Xirê de Rua (Foto: Sidney Reis)

Assisti ao espetáculo no Sesc Santana e foi uma experiência inesquecível. Recomendo que todos fiquem atentos, pois a CIA de Dança AfroOyá está sempre surpreendendo com novos trabalhos, e Xirê de Rua é uma joia em seu vasto repertório. Aproveito para enaltecer o Sesc São Paulo, que cumpre um papel fundamental ao valorizar e abraçar a dança brasileira em sua diversidade. Que em 2025 possamos ver a CIA AfroOyá em temporadas por todo o país, conquistando ainda mais palcos e, quem sabe, levando sua arte poderosa para o cenário internacional.

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