Texto: Shenia Karlsson
Ultimamente, uma quantidade considerável de pessoas negras têm procurado os serviços de psicologia clínica com uma queixa frequente: o esgotamento oriundo do trabalho. Todos os sintomas do Burnout são evidenciados como: cansaço excessivo, alterações de apetite, insônia, problemas com a memória, estados de ansiedade, depressão e em casos mais graves, a depressão grave e estados de catatonia. O resultado é a hipermedicalização da vida e o torpor para aguentar a lógica capitalista. O Burnout está classificado no CID 11 como uma doença resultante da atividade laboral e pode acarretar depressão grave sendo necessário o afastamento imediato e tratamento com equipe multidisciplinar.
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No entanto, quando se trata da pessoa negra em ambiente de trabalho, existe um componente central que deve ser levado em conta: o racismo. Este artigo tem o objetivo de levantar uma questão extremamente séria, o racismo no ambiente de trabalho como principal causador do que vou nomear de Burnout Racial. Segundo os relatos, as experiências se repetem e montam quase que uma colcha de retalhos de episódios desagradáveis e adoecedores. O Burnout tradicional é resultante de um acúmulo de funções laborais e de um ambiente tóxico com condições questionáveis para o trabalhador, já o Burnout Racial é um adoecimento que pessoas negras enfrentam e tem como base o racismo nas experiências laborais.
Essa semana o caso do jogador brasileiro Vini Jr. radicado na Espanha e integrante do time do Real Madrid, veio à tona e tornou-se um escândalo internacional. Ele tem enfrentado desafios inimagináveis em sua atividade laboral e já possui um acúmulo de vários episódios de Burnout devido às tensões que é submetido em seu dia a dia. Este caso ilustra muito bem como as instituições/empresas promovem o adoecimento de pessoas negras por serem ambientes que permitem a desumanização, tratam negros ainda como corpo trabalho e submetem essas pessoas a um profundo sofrimento e experiência de desamparo. Sim, é no DESAMPARO vivido pelo negro a maior fonte do adoecimento e a principal causa do Burnout Racial. Em todos os relatos, pessoas negras se veem sozinhas em seus enfrentamentos.
Esses ambientes tóxicos, perversos, possuem a lógica do abandono, da responsabilização da vítima e a total negligência quando se trata de pessoas negras. É na experiência do desamparo que o negro se vê numa situação impraticável, visto que a todo momento as soluções paliativas são sempre baseadas na idéia de que aguentamos sofrer mais violência. O desamparo neste caso foi evidenciado através das atitudes de toda a equipe e das autoridades do clube. Em nenhum momento o sofrimento do Vini foi considerado. Ele estava desamparado.
A exposição à humilhação pública e as demonstrações de ódio não foram suficientes para a equipe solidarizar-se com ele naquele momento, e ao contrário disso, ele ainda foi punido. Os conselhos de seus colegas de equipe foram: “deixa isso pra lá”. Pessoas negras são frequentemente desestimuladas a se posicionarem, são incentivadas ao silenciamento e quando denunciam as violências costumam sofrer retaliações e são abandonadas, jogadas ao total desamparo em seus ambientes de trabalho.
Pois é, o Vini estava trabalhando e é no trabalho que ele vê a cada dia o racismo tomar contornos significativos, e a estrutura racista ao qual ele está submetido pactua deslavadamente a fim de garantir a superioridade branca. Um elemento-chave nessa trama é a animalização do negro, ser chamado de macaco é um resgate da tecnologia colonial que implementou o esvaziamento da humanidade do negro para assim justificar qualquer violência direcionada aos nossos corpos. Quando todo negro é desumanizado e desamparado em seu ambiente de trabalho, o que está por trás é a naturalização da idéia de animalização do corpo trabalho.
O Burnout Racial tem algumas características diferentes do Burnout tradicional. Pessoas negras geralmente apresentam não só uma exaustão oriunda do trabalho e sim, uma exaustão oriunda do racismo. A interdição, a situação de duplo vínculo, o silenciamento e a pressão que o sistema faz para que essa pessoa negra desista de estar naquele ambiente causam, além dos sintomas tradicionais do Burnout, alguns outros sintomas tais como sentimento de desesperança e não pertencimento, vergonha, baixa autoestima, incertezas, sensação de fracasso e não merecedor de seu lugar no mercado de trabalho. Pessoas negras costumam chegar no consultório com uma grande tristeza e um vazio existencial.
Esse desastre digno de tempos coloniais, demonstra o quão os brancos estão despreparados para acolherem pessoas negras visto que são racistas por excelência e nem se dão conta disso. As pioneiras Virgínia Bicudo e Neusa Santos já alertavam que a mobilidade social não é uma garantia, um negro, independente da posição social que ocupa, como diz Fanon, é e sempre será um negro.
E como podemos nos proteger para não sucumbir? Como não adoecer? Jovens negros no Brasil encabeçam o ranking dos casos de suicídios e sabemos bem o porquê. A consciência crítica, a denúncia, atuar em rede e o cuidado com a saúde mental são componentes que ajudam a enfrentar os sofrimentos oriundos do racismo. De qualquer forma, nossa saúde mental é inegociável, devemos sempre pleitear nossos direitos às pausas e aos descansos sempre que for necessário. A nossa responsabilidade é garantir nossa humanidade mesmo que os opressores pensem ao contrário.
Toda solidariedade ao nosso irmão Vini Jr., jovem, negro, periférico, talentoso. Acredito que coletivamente sentimos em seu rosto a dor de não poder protegê-lo naquele momento. A dor dele e seu possível adoecimento é mais uma história de um jovem negro brasileiro, que sofre racismo em seu próprio país e é hostilizado em sua condição de imigrante nas terras coloniais.
Que comecem os protestos!
Shenia Karlsson é Psicóloga Clínica, Especialista em Diversidade, Escritora, Colunista, Palestrante, Consultora em D&I e Mediadora de Conflitos em Instituições e Empresas em casos de racismo e discriminação, é Diretora no Instituto da Mulher Negra de Portugal e Ativista da Saúde Mental.
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