Acorrentar uma pessoa negra, que se sabe negra, ciente dos séculos de assassinatos e encarceramento sistemáticos dos seus semelhantes (que se estendem até o presente) pode ser um gatilho para uma crise de ansiedade ou deflagrar um transtorno de estresse pós traumático (TEP)? Sim.
Por Profa. Dra Jeane Tavares. Coord APC-UFRB
Gerencia a página: Saúde Mental da População Negra
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Num momento de ansiedade extrema experimenta-se uma sensação de desespero, insegurança, de perigo iminente e de que algo terrível pode acontecer a si mesmo ou a pessoas importantes. Acompanham sintomas físicos como taquicardia, falta de ar, movimentação corporal intensa ou dificuldade de se mover, choro, suor excessivo, dor de cabeça, boca seca, mãos e pés ficam frios dentre outros.
No caso do TEPT, se houve situação anterior em que sua vida esteve em risco e o ato de ser acorrentado ou imobilizado de alguma outra forma remeterem a isso, a pessoa pode reviver a situação de perigo com todos as emoções e memórias relacionadas. Se não houve evento anterior, mas estes elementos sempre foram temidos ou têm significados de risco para sua integridade física e mental a situação atual pode dar início a um TEPT.
Lembremos que correntes e cordas, que remetem ao aprisionamento e enforcamento, são instrumentos históricos de tortura e morte de negras e negros. Além do pouco tempo histórico que nos separa do fim da legalidade da escravização, a persistência dos seus efeitos na organização social brasileira não permite que a população negra viva e finalize seus múltiplos lutos ou cuide de sua saúde mental como necessário. Como temos novos casos de humilhação, mortes, pobreza/ miséria, julgamentos e aprisionamentos se renovando cotidianamente, as bases do sofrimento psíquico diretamente relacionadas ao racismo estrutural são mantidas e desenvolvemos a justa percepção de que esse processo de escravização não teve ou terá fim.
Portanto, embora não saibamos os motivos que levaram a participante do BBB às lagrimas, ela deve ser respeitada e acolhida por todas/os nós. A sua reação de choro, ansiedade e medo, não apenas é compreensível como esperável sendo ela uma militante da causa negra, estando numa situação de confinamento e sendo exposta a ataques raciais constantes junto com seus pares em rede nacional. Ela não precisaria ter sido escravizada para sentir medo ou sofrer com esta situação. Da mesma forma, os espectadores que entendem a persistência dos efeitos da escravização da população negra no Brasil e que estão conscientes de sua negritude também podem ter sido afetados pela cena exibida.
Em post recente em nossa página @saudementalpopnegra, perguntamos “quais medos apenas a população negra pode ter?”. Em síntese as respostas foram: medo de ser acusado por um crime ou “confundido” e preso (não existe esperança em relação a justiça), medo de ser assassinado (em qualquer lugar, a qualquer momento), medo de ter o filho assassinado (relatado inclusive por mães de bebês).
O medo de ser acorrentado é ancestral na história população negra. Resta-nos reconhecer nossos medos, acolher os nossos semelhantes, lutar politicamente e cuidar de nossa saúde mental.
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