Quem foi Tereza de Benguela? Você já ouviu falar no quilombo do Quariterê? Se você souber, parcialmente, as respostas destas perguntas te convido a fazer um exercício de imaginação. Vamos nos transportar para o Brasil do século XVIII, lá pelos idos de 1770, interior do Brasil, mais especificamente, no Vale do Guaporé, no Mato Grosso. Entre as matas e rios um grupo de negros e negras (livres, libertos e escravizados) tanto brasileiros quanto africanos e indígenas viviam em uma grande comunidade liderada por uma rainha. Tereza, guerreira, bela, altiva, corajosa e destemida liderou o Quilombo do Quariterê por duas décadas. Ela era líder política e militar. A economia do quilombo era baseada na agricultura de subsistência e em pequenas trocas externas. Plantavam principalmente algodão para confecção de tecidos que eram trocados por minerais preciosos e algumas armas. Daqui a pouco, você vai perceber, que esta era uma troca importante. Já sua organização política era parlamentar funcionando a partir de reuniões semanais com os deputados e sob o comando da rainha.
Agora que conseguimos imaginar a organização econômica, política e composição social do quilombo já somos capazes de supor o quanto as forças coloniais não estavam satisfeitas com a existência de Tereza e do quilombo. A insatisfação é uma maneira amena de dizer que o governo colonial organizou uma verdadeira guerra contra os quilombolas, que resistiram bravamente.
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O que sabemos sobre a história de Tereza de Benguela é pouco e sob a jurisdição de quem detinha as letras e que por coincidência eram aqueles que queriam acabar com ela. Não conseguiram porque ela existe e resiste para pessoas como nós, negras que lutam contra o racismo. Mesmo diante dessas fontes enviesadas e repletas de silenciamentos podemos conhecê-la. A principal documentação que contém informações sobre o quilombo e sua rainha é o conjunto de anais da Vila Bela, escrito anualmente por vereadores da primeira capital da capitania do Mato Grosso.
Sobre o nascimento de Tereza. Há quem acredite que ela teria nascido na África e que seu sobrenome faz referência a Benguela velha região de Angola, outros defendem que ela teria nascido aqui mesmo no Brasil. Foi escravizada por Timoteo Pereira Gomes casou-se com o negro José Piolho, que foi comandante do quilombo até ser assassinado pelas forças coloniais. A partir da morte de seu esposo, Tereza assumiu o comando do quilombo. Ela governou por vinte anos. Até ser capturada pelas forças coloniais durante uma das diversas expedições que tinha como objetivo destruir o quilombo.
Consta nos anais de 1770 que Tereza: “Governava esse quilombo a modo de parlamento, tendo para o conselho uma casa destinada, para a qual, em dias assinalados de todas as semanas, entrava os deputados, sendo o de maior autoridade, tipo por conselheiro, José Piolho, escravo da herança do defunto Antônio Pacheco de Morais. Isso faziam, tanto que eram chamados pela rainha, que era a que presidia e que naquele negral Senado se assentava, e se executava à risca, sem apelação nem agravo.”
No livro Enciclopédia Negra de Flávio Gomes, Jaime Lauriano e Lilia Schwarcz apontam que Tereza talvez teria chegado à região de mineração por volta de 1730, na época circulavam notícias de que “africanos recém desembarcados nos portos de Belém e São Luiz eram clandestinamente revendidos e transportados para a capitania do Mato Grosso. Seriam eles tanto africanos ocidentais, muitos da alta Guiné quanto centro africanos entre os quais embarcados ao sul de Angola via portos de Benguela”.
Os primeiros registros sobre o quilombo datam de 1748 que já sinalizam sua existência e um expressivo crescimento tanto em tamanho quanto a nível populacional e originou mais de um núcleo. Esta expansão era uma ameaça à manutenção da estrutura colonial de dominação. A destruição violenta do quilombo era a única solução para a coroa portuguesa.
Em 1770, após duas décadas governando o Quariterê, a rainha foi capturada em uma expedição punitiva. Conforme relatou o bandeirante Felipe José Nogueira Coelho em suas memórias citadas na obra Enciclopédia Negra, na ocasião, “foram capturados, entre homens, mulheres e crianças, mais de cem quilombolas, trinta dos quais eram livres.”
Há duas versões sobre a morte de Tereza. A primeira que os bandeirantes as mataram e expuseram sua cabeça no centro do quilombo. A segundo ela teria se suicidado (como um último ato de resistência). Mesmo após a morte da rainha o quilombo teria se mantido até 1795, quando ele sucumbiu, sufocado pela violência dos colonizadores. O que os colonizadores não imaginavam era que Tereza de Benguela estaria viva até hoje. Ela estaria em 1994, na avenida sendo homenageada pela Escola de Samba Unidos do Viradouro no carnaval carioca. Que em 2014 ela daria nome a uma lei federal, que institui 25 de julho como o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra.
Volto a pergunta inicial, porém trocando o tempo verbal. Pois Tereza não era, Tereza é. Ela é símbolo de resistência. É Rainha da Liberdade. Ela representa as lutas e vitórias das mulheres negras brasileiras.
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