Ontem, 4 de dezembro, foi Dia de Santa Bárbara. Na Bahia, dia de festa. Especificamente em Salvador, as ruas repletas de devotos que usam roupas vermelhas. São todos eles católicos? Com toda certeza, não. A maioria, adepto de religião de matriz africana: seja a umbanda, candomblé, omolokô ou batuque.

Crédito: Roque Boa Morte (@roqueboamorte) no Pelourinho, 2022.

A razão da associação? O sincretismo religioso, que por alguns é considerado dispensável nos tempos atuais, mas por conta de seu peso e valor histórico, se tornou um fenômeno da nossa cultura. Muito raramente você vai encontrar uma casa de candomblé ou de umbanda que não carregue fragmentos desse fenômeno. A ancestralidade conectada à memória, possibilita o resgate ancestral de costumes, crenças e culturas que foram vivenciadas por nossos antepassados, compreendendo isso, torna-se indiscutível a importância do sincretismo para compreendermos a história do povo de axé.

Notícias Relacionadas


Quando os povos africanos foram sequestrados por colonizadores europeus e traficados para as Américas, eram catequizados. O homem branco em sua atuação historicamente asquerosa, não poupou esforços para o apagamento geral da tradição de diversos povos, principalmente de pessoas pretas e indígenas. Enfiava goela abaixo o ensinamento forçado da filosofia cristã, que demonizava toda cultura que se diferenciasse do que na época comandava o mundo: o catolicismo. Como consequência da violência do homem branco, a escravidão fez com que o povo preto se organizasse politicamente pra que suas culturas resistissem ao genocídio do povo preto — que se perdura até os dias atuais. Dentre as várias tecnologias que hoje nos possibilitam o acesso à cosmogonia africana, o sincretismo foi utilizado propositalmente para que fosse possível a prática de uma fé que foi criminalizada até pouco tempo no Brasil.

Pasmem: O culto afro-brasileiro era considerado crime mesmo no Brasil “pós abolicionista”. O primeiro registro de Terreiro de Candomblé no país foi em 1830, na Barroquinha, bairro que fica situado em Salvador, Bahia. Atualmente esse terreiro é conhecido como Terreiro da Casa Branca. É claro que “a macumba” teve seu início bem antes disso, mas ainda assim, entendemos que o registro aconteceu tardiamente se considerarmos que os povos africanos foram trazidos ao Brasil por volta do ano de 1500. A escravidão teoricamente se findou em 1888, no entanto, apenas em 1946 que foi decretada a liberdade de culto religioso no Brasil. Foram mais de 130 anos de luta após o registro do primeiro de terreiro de candomblé para que o Estado descriminalizasse o culto afro-religioso, mas até hoje perduram-se os resquícios desse preconceito enraizado. Ainda que o decreto de 1946 seja para a liberdade e manifestação de diversas religiões e que a sociedade diga que assim como o Candomblé, outras religiões também sofrem preconceito, no ano de 2021, 91% dos ataques contra manifestações religiosas de qualquer natureza foram direcionados à religiões de matriz africana.

Foto: Roque Boa Morte (@roqueboamorte)

Os terreiros de umbanda, candomblé, quimbanda, tambor de mina (…) são quilombos contemporâneos, onde o povo preto se reúne, se reconhece, se acolhe e celebra as suas culturas, mas ainda assim assim tem sido até hoje alvo de intolerantes religiosos. É um fato: religião de branco não é, e nunca foi criminalizada de tal forma. Por conta disso, para driblar as autoridades estatais, o povo negro passou a associar e fazer paralelos dos santos católicos com os orixás. Por exemplo: Santa Bárbara, por ter ligação com o raio, e Iansã por ser a força do próprio raio, tiveram essa correlação. Ogum na Bahia foi atrelado no sincretismo a Santo Antônio, já no Rio de Janeiro, é cultuado como São Jorge. E por aí vai. É importante reiterar que Orixás não são Santos Católicos e vice-versa, mas o sincretismo tem sim sua relevância para que se reverberem os fragmentos históricos de uma cultura que tem como base a oralidade.

O sincretismo religioso é fruto da criminalização que sofreu a cultura africana nas Américas. Mas é também símbolo de resistência e resultado de uma tecnologia utilizada por nossos ancestrais, para lembramos e reverenciarmos toda sabedoria e legado deixado para que hoje tivéssemos uma mínima liberdade.

Foto: reprodução / redes sociais.

Em tempo, na mesma data de ontem (4), a estátua de Mãe Stella de Oxossi, que foi uma das maiores yalorixás do Brasil e símbolo de resistência afro-religiosa, foi criminalmente incendiada e vandalizada por intolerantes religiosos. Não é a primeira vez que esse monumento é atacado pela da sociedade civil, enquanto o Estado não providenciar uma atitude severa e investigar o crime com prioridade, ações como essa não deixarão de ser cometidas.

Infelizmente, ainda somos alvo principal do racismo religioso, temos nossos terreiros e quilombos frequentemente depredados, mas seguimos resistindo e fazendo história, construindo um futuro ainda mais seguro, assim como nossos ancestrais fizeram por nós.

Notícias Recentes

Participe de nosso grupo no Telegram

Receba notícias quentinhas do site pelo nosso Telegram, clique no
botão abaixo para acessar as novidades.

Comments