Por Ivair Augusto Alves dos Santos
Estamos habituados a ver imagens da Serra Gaúcha como modelo de prosperidade, com famílias brancas e donas de belos vinhedos que produzem 90% do vinho do país. Também como instâncias turísticas onde paulistas, mineiros, cariocas e todos os brasileiros se orgulham de ver a pujança do agronegócio, com a crescente e competitiva indústria do vinho.
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Na semana passada, conhecemos o outro lado da Serra, com homens trabalhando de maneira análoga à escravidão. Homens trazidos da Bahia para trabalhar na colheita da uva viajaram durante dias em condições precárias, mal alimentados, sem a mínima higiene e iludidos com um salário de R$ 3000,00 reais. Uma prática comum de exploração humana durante o período da colheita, que parece ser do conhecimento dos proprietários que sabem fazer um falso marketing do seu produto e da maneira de viver na Serra.
Três trabalhadores chegam ofegantes ao posto da Polícia Rodoviária Federal (PRF) de Bento Gonçalves, cidade situada na Região Serrana do Rio Grande do Sul. O que eles relataram aos agentes levou à descoberta de um galpão com cerca de 240 trabalhadores em condições precárias. A oferta de trabalho prometia, segundo os aliciados, salário de R$ 3 mil, alimentação e alojamento incluídos, o que não se concretizou quando chegaram ao Rio Grande do Sul. O grupo chegou a Bento Gonçalves de Salvador (BA) no dia 2 de fevereiro, após quatro dias e meio de viagem. Os depoimentos são fortes e não deixam dúvida sobre a banalização do mal.
“A gente saía às 4h e ia para as fazendas trabalhar catando uva. Voltava 22h, 23h. O carro largava a gente lá, para ficar esperando [ele voltar], e tratavam a gente como se fôssemos bicho. Pegavam as quentinhas com a comida azeda e davam para a gente comer. Diziam: ‘vocês têm que comer isso mesmo, porque baiano bom é baiano morto’. A gente é pai de família, trabalha”, contou uma das vítimas, sob forte indignação.
“Tomei cadeirada, spray de pimenta, estou com os dentes moles. Eu escutei eles falando que um carro estava vindo para levar para me matarem. O tempo dos escravos eu não vivi, acho que nem minha bisavó viveu. Hoje vai existir escravo de novo? Não vai. O que depender de mim, não vai, eu vou abrir minha boca, eu vou falar que tá errado”.
Há um sentimento de solidariedade e de perplexidade entre os grandes produtores: Salton, Cooperativa Garibaldi e Aurora, que alegam desconhecer as condições desumanas dos trabalhadores baianos.
O Ministério Público do Trabalho e o Ministério do Trabalho estão realizando diligências e se comprometeram a cobrar das empresas as indenizações. Mas há um valor que se perdeu na cadeia produtiva desses vinhos: a dignidade humana.
Fica difícil beber uma taça de espumante e não pensar na dor e sofrimento dos trabalhadores.
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