Opinião: Racismo, pandemias e religiões

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Opinião: Racismo, pandemias e religiões
O diretor de Cinema e TV Luis Lomenha (Crédito - Divulgação)

Por Luis Lomenha*  

Pastores das maiores igrejas evangélicas do Brasil, reagiram de maneira contrária ao anúncio de fechamento de seus templos imposto por alguns governadores em decorrência da epidemia de Covid-19 que já matou mais de 68mil pessoas no mundo. Contrariando as orientações da Organização Mundial da Saúde que recomenda o isolamento social como uma das formas mais eficazes de controle da pandemia, alguns pastores foram as redes sociais e deixaram claro que não fecharão seus templos. “Em nome de Jesus, nenhum mal te sucederá nem praga alguma chegará à tua casa. “Citando o salmo 91, da bíblia sagrada, o pastor Silas Malafaia instiga seguidores a não temerem a pandemia de coronavírus em um vídeo postado na internet.

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           O bispo Edir Macedo, líder e fundador da Igreja Universal do Reino de Deus, usou as redes sociais para postar seu video também, no qual subestima a gravidade da pandemia de coronavírus no mundo. Ele afirma que não há motivo para as pessoas estarem preocupadas com a doença e atribui sua proliferação à mídia e a “Satanás”. Para engrossar o caldo dos religiosos, o “Messias”, presidente do Brasil, também fez pouco caso da doença, mesmo com suspeita de tê-la contraído.

O presidente incentivou e participou de manifestações mantendo contato físico com pessoas, depois contrariou em rede nacional as recomendações do seu ministro da saúde e da (OMS). Bolsonaro voltou a chamar de gripezinha, o vírus que já infectou mais 1.2 milhões de pessoas no mundo, mandou estudantes voltarem a escola, saiu em carreata pela periferia de Brasília convocando a população ao trabalho. Bolsonaro também baixou um decreto autorizando igrejas e casas lotéricas a não fecharem, o decreto foi suspenso pelo juiz Márcio Santoro Rocha, da 1ª Vara Federal de Duque de Caxias (RJ) , em seguida foi liberado pelo TRF2 a pedido da AGU-Advocacia Geral da União.

  Messias não culpou Satanás, talvez por pensar que os chineses são a encarnação contemporânea do “coisa ruim”, e é para este povo que o presidente do Brasil e seu filho Eduardo Bolsonaro vem disparando sua artilharia, colocando em risco uma futura parceria de combate ao vírus, com o país asiático que vem obtendo bons resultados na erradicação da doença em seu território.

              As “pestes”, como gostam de chamar os religiosos, são parte da história da humanidade, assim como o racismo que as acompanha. O presidente norte-americano Donald Trump, igualmente à família Bolsonaro, vem chamando o Covid-19 de vírus chinês. Isto é uma triste demonstração de racismo que estimula pessoas do mundo inteiro partilharem na internet informações sem nenhuma base cientifica sobre a origem e proliferação do vírus, em sua maioria, associadas a possíveis maus hábitos de higiene dos chineses. Muitos posts nas redes sociais fazem referência ao paciente número 0, supostamente o primeiro ser humano a ser contagiado pelo Covid- 19, em um mercado de peixe na província de Wuhan. Algumas mensagens dizem que o contágio se deu pela ingestão de carne de morcego e que isso é um hábito recorrente em toda a China.

              No início do século XIX, a cólera reapareceu na Índia, em seguida ganhou o mundo e a população Hindu foi responsabilizada pela disseminação da “peste” com o mesmo discurso racista que vem sendo usado contra os chineses.

No século VI, a lepra foi atribuída aos pecadores. Vem dai a expressão “lazarento”. Ela faz alusão ao mendigo chamado Lázaro presente nas parábolas de Jesus, e serviu para estigmatizar portadores da lepra pelos séculos seguintes.

           A peste-negra matou mais de 30% da população europeia nos meados século XIV, e a responsabilidade da disseminação foi atribuída aos judeus pela igreja católica, por haver menos incidência da doença na comunidade judaica. Isso gerou atos de barbárie contra os judeus, que se estenderam por muitos séculos depois no continente europeu. São várias as associações de epidemias com racismo, podemos continuar falando da tuberculose que afetou escravos negros no Egito antigo e virou uma forma de exclusão de populações vulneráveis até o século XIX. O ebola que assolou África Ocidental se tornando uma das epidemias com o maior índice de letalidade daquele continente, a negação da eficácia de preservativos por parte de grupos religiosos cristãos que ajudou a transformar a AIDS em uma epidemia no continente africano, segundo dados da UNAIDS a África Oriental e Meridional concentram hoje mais de 50% das pessoas que vivem com o vírus no mundo.

           Ao contrário do HIV, a pandemia do covid-19 parece estar só no início, não sabemos como o vírus vai se comportar nos próximos meses, mas uma coisa já podemos afirmar, após os estigmas, a ciência tão demonizada por este governo, sempre deu conta de encontrar as causas das epidemias, fazendo com que a história inocentasse os estigmatizados. Mas, como diz o ditado popular, “até provar que focinho de porco não é tomada” as populações sofriam com o racismo. E pelo visto a humanidade não aprendeu sobre os estigmas com epidemias anteriores, ao seguir culpando um povo por uma tragédia global. Se nos esquivarmos da responsabilidade dos quais nos levaram a esta pandemia, o racismo tende a se acirrar ainda mais. Um exemplo claro está na subnotificação de casos na Cidade de Deus, comunidade situada no bairro de Jacarepaguá, zona oeste do Rio de Janeiro.

Segundo matéria do site UOL datada de 23/03, profissionais de saúde da UPA-Unidade de Pronto Atendimento da Cidade de Deus, relatam que há um recado em frente a seus computadores desde quinta feira (19), sugerindo diagnóstico de síndrome gripal adotado pela CID (classificação internacional de doenças), que termina pedindo para avisar a coordenação em caso de necessidade de internação. Até agora somente Manguinhos, Mangueira, Complexo do Alemão, Rocinha, Parada de Lucas, Vidigal e Cidade de Deus, estão entre as favelas do Rio de Janeiro que já registraram casos oficiais da doença.

Segundo uma matéria da revista Veja, “Em São Paulo a epidemia do novo coronavírus aumentou o número de enterros realizados na cidade e fez com que a prefeitura dobrasse o contingente de agentes funerários de forma emergencial. No Cemitério da Vila Formosa na zona lesta da cidade, foi deflagrado o plano de emergência, que inclui aumento no ritmo de abertura de novas covas”.

Outra matéria exibida no programa Fantástico da TV Globo de 05/04, mostra o retrato da dor de familiares em maioria, negros que enterram as pressas seus entes queridos em um cemitério da periferia de SP, antes mesmo da confirmação dos testes de COVID-19.

No Rio de Janeiro uma das lideranças do coletivo Maré Vive, afirma que no complexo de favelas da Maré tem muitos casos suspeitos, “estamos acompanhando centenas de famílias, distribuímos cestas básicas e orientamos com cuidados básicos de prevenção, mas não tem sido fácil, o número de pessoas nas ruas aumentou após as falas do presidente da república. Nesta ultima semana não foi só nas favelas em que o movimento de pessoas nas ruas aumentou de forma significativa, muita capitais do país registraram um aumento considerável no transito de pessoas em áreas nobres e periféricas, bares abertos , partidas de futebol e igrejas vem ignorando a quarentena imposta pelos estados e Ministério da Saúde.

  É compreensível que trabalhadores informais saiam de casa em um momento como este, afinal muita gente nas periferias do Brasil sequer tem conta em banco e muitas vezes dependem do dinheiro que recebem de diárias ou semanas de trabalho, e acabam não tendo possibilidade de estocar comida comprando o básico para sobrevivência todos os dias no comércio local. O inaceitável é ver movimentos de lazer e alguns líderes religiosos desafiando a justiça mantendo seus templos abertos colocando em risco a vida de milhões de religiosos e não religiosos, enquanto a maior parte do país segue solidária em quarentena respeitando os mais vulneráveis.

  O pastor da comunidade Batista de São Gonçalo, Ronilson Pacheco, escreveu em sua rede social uma crítica ao não fechamento dos templos: “Meu irmão, minha irmã, isto é nada mais que arrogância, soberba e irresponsabilidade. E, quanto a isto, basta lembrar que o lugar que Jesus menos frequentou foi o templo. Faça um esforço sincero, e você vai perceber que todas as principais memórias que você tem de Jesus, escritas nos Evangelhos, ele não está no templo, mas na rua, no monte, na beira de rios e mares. Isto tem uma mensagem importante. Igrejas não são os únicos lugares onde Deus pode ser servido.”

Na contramão de Malafaia e Macedo, muitos lideres optaram pelo fechamento completo de seus templos. Para não deixar seus seguidores desamparados durante a crise, cultos e palestras estão sendo disponibilizados online.

Gente como pastor Ronilson Pacheco e muitos outros lideres de diferentes religiões, vem trabalhando junto com grupos comunitários, que através de doações e do trabalho voluntário, vem se fortalecendo nas periferias do Brasil para evitar o avanço do vírus. O Covid-19 nasceu na China, e na Europa tem feito mais vítimas fatais, é preciso cumprirmos as orientações da (OMS) para a pandemia, não virar em um futuro próximo uma peste de negros e favelados.

Escritor e realizador de cinema e TV. Fundador do projeto Cinema Nosso (@cinema_nosso) e diretor da Jabuti Filmes

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