Racismo: não há lugar nem tempo para se apresentar

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Racismo: não há lugar nem tempo para se apresentar
Sofrimento da prima de um das vítimas mortas pela polícia. Foto: Felipe Iruatã

Ouvimos falar, desde sempre, que a praia é um lugar democrático, ela é de todos e para todos. Nos calçadões, nas faixas de areia e no mar brancos e negros, ricos e pobres se encontram, se misturam. Mas será que é assim mesmo? Se a resposta for positiva, como a gente explica um jovem negro ser preso sem provas e sem antecedentes criminais acusado de roubo na praia (sim, nesse suposto espaço democrático)? 

Isso ocorreu em Ipanema, na Zona Sul do Rio de Janeiro, no dia 28 de fevereiro. O jovem de cabelo loiro pivete atende pelo nome de Marcos do Nascimento Tavares Carreiro, cuja praia e cujo carnaval foram interrompidos pelo racismo. Ele foi levado para a delegacia e posteriormente para o presídio, após duas turistas o reconhecerem como participante do grupo que roubou o celular de uma delas.

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A família de Marcos afirma e reafirma que ele foi pego por engano. No dia 2 de março, na quarta-feira de cinzas, após uma Audiência de Custódia, Marcos, que trabalha em uma ONG, foi solto e responderá em liberdade numa investigação em curso. 

​Outros jovens negros tiveram suas vidas roubadas nos dias de carnaval em outra cidade litorânea: Salvador. Numa operação policial na Gamboa de Baixo, três jovens negros morreram na madrugada da terça-feira de carnaval.

Patrick Sapucaia, de 16 anos, Cleverson Guimarães, 22, e Alexandre dos Santos, 20, nunca mais poderão divertir-se no carnaval. Os familiares e amigos alegam que eles foram executados. Já a Polícia Militar conta outra versão, que receberam uma denúncia de que homens armados circulavam pela Avenida Lafayete (conhecida como Avenida do Contorno) e ao chegarem na Gamboa de Baixo foram recebidos com tiros. 

O que aconteceu na Gamboa não é um caso isolado. De acordo com dados presentes no livro Pele-alvo: a cor da violência policial, “A morte pela ponta de um fuzil carregado por um policial atinge de maneira desproporcional os negros em relação aos não negros”. Ainda segundo essa obra, “As capitais do Rio de Janeiro, de São Paulo e da Bahia são os três municípios com maior número de mortes registradas em 2020”.

Nós poderíamos seguir os parágrafos, eu escrevendo e você lendo sobre o quanto esses dois casos têm pontos de conexão. Mas ficarei apenas com um, que está latente nas lágrimas: a dor das famílias de todos esses jovens, tanto em Ipanema quanto na Gamboa de Baixo. São incontáveis as narrativas de sofrimento por parte de familiares e amigos, presentes na televisão e nas redes sociais, mas vou apresentar apenas uma, sobre a morte dos três jovens. A cena é de um repórter da Rede Bahia, afiliada da Globo, em meio ao protesto dos moradores da Gamboa na Avenida do Contorno e ele pergunta a uma mulher que fazia parte da ação. “Ele tinha algum envolvimento [com tráfico]?” Ela prontamente responde: “Oh, moço! Não importa isso agora no momento, sabe por quê? Porque se eles [policiais] pegaram em algum erro, a obrigação dos policiais é levar preso, não matar à queima-roupa. Eles atiraram à queima-roupa”.

Lá no início, talvez você já tenha esquecido, comecei este texto mencionando o agora já mito da democracia das praias. Talvez você não saiba, mas a Gamboa de Baixo é uma comunidade pesqueira e nela há uma das praias mais incríveis da capital baiana (opinião pessoal), assim como a bela praia de Ipanema. O Brasil é famoso internacionalmente pelo seu belo litoral.

Conforme apresenta o site UOL Educação, o Brasil tem um litoral com “7.367 km, banhado a leste pelo oceano Atlântico. O contorno da costa brasileira aumenta para 9.200 km se forem consideradas as saliências e reentrâncias do litoral”. Um litoral que atrai turistas do mundo inteiro. E outra razão para eles virem é o carnaval. Exportamos a imagem (um tanto reduzida, já que o Brasil é bem mais complexo) do país do carnaval (que na ideia seria uma festa do povo) e das belas praias. Contudo, o racismo está enraizado nesses locais e tempos (o carnavalesco), e sem pedir licença prende e mata jovens negros. 

Texto escrito pela historiadora Débora Simões

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