Texto: Shenia Karlsson
Onde está Samantha Barbosa? Essa é a pergunta que o Brasil fez à Polícia Federal e ainda não obteve resposta. Quem sabe nas próximas horas a informação chega, entretanto este artigo está sendo escrito antes dessa resposta e com uma profunda indignação e revolta.
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Foram três, três agentes da Polícia Federal ao qual os salários são pagos com nossos impostos que por pouco não agrediram Samantha fisicamente, e isso não aconteceu porque houve uma mobilização e gravação, sabemos qual é o comportamento desses senhores em ambientes controlados por eles. Sim, eles expulsaram uma mulher negra sem qualquer questionamento e nem se deram ao trabalho de verificar se a ordem do excelentíssimo senhor comandante branco Sergio Pereira Gomes tinha qualquer fundamento.
O histórico do racismo institucional nas companhias aéreas no Brasil é antigo, e não é um problema só aqui, é no mundo. Quem não se lembra daquele fatídico vôo da Ryanair que saiu de Barcelona rumo a Londres (uma companhia de baixo custo) em que um homem branco idoso asqueroso (digo isso porque era realmente uma criatura asquerosa) cometeu violência verbal e física contra uma senhora negra sentada ao lado dele? Vários insultos racistas foram registrados, e o que os comissários fizeram? Nada. Expulsou o senhor branco do voo por questões de segurança? Não. Provavelmente a Gol agiria da mesma forma caso Samantha fosse uma mulher branca. Sabemos.
Desde a época do crescimento econômico promovido pelos governos do PT e o acesso aos bens e serviços que a classe trabalhadora pode usufruir, a presença deste grupo social nos aeroportos tornou-se mais frequente, porém isso nunca foi tolerado com bons olhos. De fato podemos enumerar milhares de casos de abusos, negligência, violência, racismo cometido pelas companhias aéreas, principalmente pelos seus colaboradores que colocam em prática comportamentos que expressam a síndrome do pequeno poder. São colaboradores em sua maioria brancos, acostumados a “servir” um público diferenciado, e incomodam-se profundamente com a presença da classe trabalhadora em seus turnos de trabalho, principalmente negros.
Comissários antipáticos, grosseiros e péssimos profissionais, quando contrariados utilizam-se de condutas abusivas submetendo passageiros a situações vexatórias e humilhações públicas. Foi o que aconteceu com a Samantha, afinal, quando não achamos um lugar para guardar nossa bagagem de mão, direito previsto quando adquirimos o bilhete aéreo, é de responsabilidade do comissário(a) de bordo fazer essa gestão. Para isso estão lá.
Segundo a ANAC em seu relatório do terceiro trimestre de 2021, a Gol Companhias aéreas foi a que mais recebeu reclamações, quase o dobro que a LATAM segunda no ranking, e também foi a Gol que menos solucionou os problemas encaminhados pelos clientes. São cancelamentos, atrasos, problemas com o sistema operacional, ou seja, uma infinidade de absurdos. E os preços só aumentam.
Voltando ao assunto que nos interessa, a Samantha. Novamente cenas como essas nos traumatizam coletivamente, pois sabemos que poderia ser qualquer um de nós, não é?! Sem contar com o estresse, o medo, a vergonha, a humilhação e a violência contra os nossos corpos que as consequências do racismo causa em nossa saúde mental. Isso mesmo, foi racismo, não tem outra palavra. NUNCA, em momento algum, uma mulher branca teria recebido esse tratamento degradante por conta de uma bagagem de mão. Essa é a verdade.
O racismo institucional promovido pelas empresas – e digo promovido porque esse antirracismo de Selo de Diversidade e Inclusão para discurso bonito se revela nesses momentos, é uma política institucional em que brancos perpetuam práticas de silenciamento com o único objetivo: subtrair nossos direitos e afirmar quem manda. O que a Samantha sofreu foi uma prática de silenciamento, na medida que funcionários não a reconheceram como consumidora ou cliente e sim, uma mulher negra. Foi só o que viram… Essa redução está profundamente arraigada no inconsciente coletivo branco e sempre que há oportunidade, eles lançam mão de tais violências para afirmarem lugares hierárquicos sociais. Como todas as instituições, seja de segurança ou da justiça não só corroboram mas garantem a eles que essas práticas continuem, punindo assim as vítimas e protegendo os algozes com os quais eles mesmos identificam-se, somos todos obrigados a engolir injustiças como se fosse a ordem normal. Samantha ousou levantar a voz e reclamar seus direitos, e foi punida.
Isso tem que acabar. Os brancos não só no Brasil, mas no mundo afora, têm que perceber urgentemente o quão violentos eles são, e também mentirosos e manipuladores. Distorcem realidades ao seu favor e deixam um rastro de sofrimento, desrespeito e desumanidade até quando estão em suas atividades laborais. Essas práticas são desprezíveis e merecem punições severas.
E quanto a Samantha Barbosa, mais um dia em que sua humanidade foi extirpada e sua saúde mental foi posta em perigo. Situações como essas causam angústia, sentimento de impunidade, dor, tristeza, raiva, pensamentos recorrentes sobre o que deveria ou não ter feito, às vezes culpa porque o algoz tenta a todo momento provar que nós estamos erradas, achar uma justificativa para o injustificável. Samantha está em sofrimento, como muitos e muitas de nós já estivemos em frente ao racismo. E assim vamos sofrendo junto e lutando por uma sociedade menos perversa. Gratidão a todas mulheres negras que lançam do enfrentamento e colocam suas vidas em risco em prol de uma sociedade decente e justa.
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