Você já ouviu o termo “Racismo Ambiental”?

O termo surgiu em meados dos anos 70, quando um grupo de negros norte-americanos começaram a protestar devido ao descaso das autoridades diante da poluição causada por fábricas em bairros negros periféricos. A comunidade começou a tratar a situação como uma luta por justiça social, uma vez que notaram o racismo do estado em não se movimentar para resolver o problema ambiental causado pelas fábricas ao redor do país.

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Desde então tem se observado pelo mundo uma série de situações semelhantes que expõem a seletividade de grandes empresas e do Estado na forma de lidar com problemas ambientais de acordo com a população atingida.

De acordo com o reverendo, químico e líder de movimentos negros americanos, Benjamim Chavis, Racismo Ambiental é a “discriminação racial nas políticas ambientais. É discriminação racial na escolha deliberada de comunidades de cor para depositar rejeitos tóxicos e instalar indústrias poluidoras. É discriminação racial no sancionar oficialmente a presença de venenos e poluentes que ameaçam as vidas nas comunidades de cor. E discriminação racial é excluir as pessoas de cor, historicamente, dos principais grupos ambientalistas, dos comitês de decisão, das comissões e das instâncias regulamentadoras.”

Em meados de 1983, nos oito estados do sul dos Estados Unidos (onde a segregação racial era mais evidente), 75% dos depósitos de rejeitos eram instalados em bairros negros, embora a população negra representasse apenas 20% do total de habitantes da região. Não há outra explicação para esses dados e a forma como as autoridades e empresas enxergam as populações racializadas como inferiores, priorizando a proteção da vida branca, senão o racismo.

O racismo ambiental não se restringe a onde os empreendimentos que mais poluem e degradam são instalados, mas também como eles operam. Em 2011, o Ministério Público do Estado do Espírito Santo moveu uma Ação Civil Pública contra a siderúrgica ArcelorMittal e o Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema). O processo acusa a empresa de racismo ambiental e sustenta que a multinacional adota por aqui uma tecnologia diferente de suas plantas no exterior, como se no Brasil houvesse uma espécie de “licença para poluir mais”.

Maíra Mathias, na Revista Poli/Fiocruz, afirma que “em tempos de capitalismo global, o conceito de racismo ambiental foi sendo ampliado – e também disputado. Se no início da luta no condado de Warren o foco eram as comunidades negras, o próprio movimento social foi se dando conta de que por lá o racismo ambiental também atingia povos indígenas e populações imigrantes, como latinos e asiáticos. Por aqui, o conceito abarca diversos grupos que por seus traços físicos, culturais, políticos e econômicos se diferenciam do modelo branco, ocidental e burguês historicamente imposto, como ribeirinhos, quebradeiras de coco, geraizeiros, dentre outros…”

O médico patologista e ativista ambiental Paulo Sadiva orienta a discussão de racismo ambiental em diversos aspectos da construção capitalista. De acordo com ele, não há desculpa científica que explique o porquê de empresas europeias seguirem padrões de proteção na construção de modelos de seguranças em seus veículos diferentes em cada país que opera. “O uso dos freios abs e air-bags em veículos reduz cerca de 35% da mortalidade em acidentes de trânsito, e temos multinacionais que operam com diferentes padrões de segurança conforme o país em que está. O que é isso? Racismo. Lógico que existem pressões econômicas, mas como consideramos que o ser humano é o mesmo em todos os países do mundo, não existe explicação para que se apliquem padrões de segurança diferentes em determinados países se isso significa redução do número de mortos em acidentes.”

Sadiva fala ainda sobre como regiões diferentes dentro da cidade de São Paulo sofrem com diferentes condições climáticas dado ao descaso das autoridades com essas regiões. Segundo ele “se colocarmos uma sonda térmica na favela de Paraisópolis e no bairro Morumbi podemos notar que há poucos metros de distância a temperatura é diferente, a umidade é diferente, a condição térmica é diferente e a poluição é diferente. Ou seja, as ilhas de vulnerabilidade ambiental estão associadas as ilhas de pobreza das cidades.”

Em São Paulo, morrem cerca de 11 mil pessoas a mais por ano devido à poluição do ar. Considerando que níveis de poluição estão diretamente associados a regiões de pobreza da cidade, temos a grande maioria dessas mortes acontecendo entre pessoas pobres, consequentemente negros e, ainda assim, o Estado não trata do meio ambiente como uma questão de saúde pública.

Para efeito de comparação, morrem cerca de 2 mil pessoas de AIDS e pouco mais de 700 pessoas de tuberculose em SP.

Entender e discutir a respeito da negligencia por parte do Estado com as questões ambientais no que tange pessoas periféricas e negras é discutir como o Racismo Ambiental atinge essas populações.

Estamos em meio a uma pandemia e o que me despertou o interesse em discutir o racismo ambiental foi observar os números que afirmam que o risco de morte de negros por Covid-19 é 62% maior em SP.  No estado do Espírito Santo os números também são reveladores: a taxa de mortalidade de pessoas negras é de 42,8%, enquanto a taxa de mortalidade de pessoas brancas é de 19%.

E por quê? O vírus em si é racista? Não. Isso é o exemplo perfeito de Racismo Estrutural como consequência direta do Racismo Ambiental.

Observem que, no país, metade da população não possui coleta de esgoto. A maioria esmagadora dessas populações são pessoas negras.

A desigualdade é um dos fatores determinantes, mas a raça/cor é um delimitador crucial que retira a garantia de cidadania dos indivíduos. Somos marcados por um sistema de opressão edificado nas dinâmicas da escravidão.

Amani Allen, professora de epidemiologia na Universidade da Califórnia em Berkeley, afirma que o conceito de raça é “uma construção social da desigualdade. Desde a infância os negros têm uma proteção menor do sistema de saúde e capacidade limitada de ascensão social. A Covid-19 está jogando luz nas disparidades”

A situação não é muito diferente nos Estados Unidos. Os dados são dramáticos em algumas cidades. Em Chicago (cidade 30% negra), as pessoas dessa etnia representam 70% dos casos de coronavírus. Em Louisiana, cerca de 70% das pessoas que morreram são negras, embora apenas um terço da população desse estado seja afro-americana.

Especialistas apontam que questões socioeconômicas como saneamento básico precário, insegurança alimentar e dificuldade de acesso à assistência médica, aumentam o risco de pessoas negras adoecerem e não sobreviverem. Além disso, pessoas negras são a grande maioria do grupo de trabalhadores essenciais, os mais expostos ao coronavírus.

Dizer que o vírus não discrimina é um equívoco, justamente porque há grupos que estão muito mais desprotegidos do que outros e grande parte disso é consequência da falta de atenção das autoridades quando falamos de políticas públicas de saúde ambiental.

O infectologista Crispim Cerutti Junior chama nossa atenção para um outro fator social que envolve as moradias periféricas dessas populações: “uma marca das doenças infecciosas em geral, particularmente da Covid-19, é que elas transmitem melhor nos ambientes de moradias mais inadequadas.”

Foto reprodução Instagram @acoisaficoupreta

Como se isso não bastasse, pessoas negras ainda relatam casos de racismo e violência policial pelo país ao utilizarem máscaras, itens esses essenciais para proteção como orientado pela Organização Mundial da Saúde.

É de extrema importância que passemos a questionar até onde o braço do Estado e seu descaso nos atinge nesses aspectos. O Racismo Ambiental evidente que propicia maior impacto da pandemia em populações racializadas e pobres é mais um exemplo claro de como essas questões precisam ser debatidas e propostas precisam ser discutidas.

O racismo nos atinge e nos mata todos os dias das mais variadas formas e o Racismo Ambiental é mais uma das formas a serem analisadas e combatidas.

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