Em levantamento realizado entre março e julho de 2022, o OdB apresenta as diversas dimensões do discurso anticotas raciais no país

Prestes a completar dez anos de implementação, a efetividade e os critérios de aplicação da lei de cotas raciais no Brasil voltam a ser questionados e deverão ser revistos em discussões no governo federal nos próximos dias.

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Diante dos recentes ataques a direitos já garantidos e retrocessos na pauta das ações afirmativas e de inclusão, o Observatório da Branquitude (OdB), iniciativa que estuda a branquitude e suas estruturas de poder, elaborou o boletim “Quem são os anticotas no Brasil?”.  Este primeiro material de uma série que será produzida pelo Observatório é um mapeamento que reúne discursos, argumentos e perfis de importantes atores brasileiros que se declararam publicamente avessos à política de cotas em 2012. Apresenta, também, uma análise dos desdobramentos dessas narrativas, sendo algumas delas positivas e favoráveis à pauta, mas que podem estar primordialmente atendendo demandas de quem já está no topo da cadeia dos privilégios, a elite branca. 

Com estudo focado em três eixos principais – poder legislativo, intelectuais e imprensa – durante o período de março a julho de 2022, o boletim é uma importante ferramenta de consulta, um medidor do comportamento da branquitude em relação às cotas durante a década e, por isso, serve de bússola à sociedade civil organizada, colocando no radar preocupações à vista e linhas de articulação que possam contribuir com o fortalecimento da pauta e da política de cotas em geral.

Para Thales Vieira, coordenador executivo do Observatório, “nossa intenção com a produção desses materiais é mais do que só afirmar a já conhecida resistência da branquitude em ceder a políticas afirmativas de reparação histórica e social. A missão do Observatório é lançar luz sobre essa problemática, questionando o paradigma da branquitude, que ainda é pouco explorado, e trazer para o debate público contribuições que possam sedimentar novos caminhos”.

A pesquisa buscou responder quatro principais perguntas que estão no cerne das discussões de cotas raciais: 1) Houve mudanças de posicionamento na esfera pública por parte desses atores ao longo de mais de duas décadas, entre 2000 e 2022? 2) Se houve, quais, por que e sob quais argumentos? 3) Há novos grupos na composição de vozes pelo retrocesso na política de cotas? 4) Quem são e como se organizam?

Para a pesquisadora da instituição, Carol Canegal, a metodologia usada na produção deste boletim é bastante coerente com a realidade e com a urgência que a pauta exige no momento. “Trabalhamos em três etapas qualitativas, articuladas e concomitantes, e com grande material bibliográfico, textos e manifestos anti e pró cotas publicizados, levantamento de projetos de lei em tramitação na Câmara e no Senado, e ainda uma listagem dos parlamentares anticotas e suas táticas de atuação na pauta. Uma sistematização de informações que julgamos relevantes à discussão, principalmente nesse período pré-eleitoral”, finalizou.

PODER LEGISLATIVO

Um levantamento da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN), informa o total de 67 projetos de lei sobre a reserva de cotas raciais em tramitação no Congresso desde o início dos anos 2000. Deles, 20 são favoráveis à política e 31 são PLs anticotas. Outros 16 abordam temas considerados laterais.

INTELECTUAIS

Em 2006, uma carta pública anticotas foi enviada ao Congresso Nacional com 114 assinaturas de intelectuais, entre eles professores e pesquisadores, artistas e ativistas, pessoas brancas na maioria. Em 2022, 32 dos 104 signatários vivos foram contatados e uma reportagem foi publicada com a manifestação de 11 deles, que diziam ter mudado de ideia. Oito pessoas não retornaram o contato, 9 não quiseram participar da matéria e apenas 4 disseram se manter contra a lei de cotas.

IMPRENSA

Junto do movimento dos intelectuais, em sua maioria brancos, a grande mídia pactuou com o discurso da democracia racial e do Brasil miscigenado como pano de fundo para matérias sobre as cotas raciais desde o final dos anos 1990. Percebia-se a repetição de textos falando de “discriminação às avessas”, e “mérito substituído pela cor de pele”. Ao longo dos anos, foi se percebendo a efetividade da política de cotas que favorecem, mediante a associação de critérios socioeconômicos e raciais, também estudantes oriundos de escolas públicas, em sua maioria brancos pobres, como principal grupo beneficiado.

O boletim estará disponível neste link e também no site da iniciativa.

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