Em contagem regressiva para a estreia do filme “A Mulher Rei“, no dia 22 de setembro, estrelado pela Viola Davis, o MUNDO NEGRO entrevistou a historiadora e colunista do site, Debora Simões, para falar sobre a história das guerreiras do Reino de Daomé, que são interpretadas neste filme.
“O poderio militar feminino no reino de Daomé surpreendeu soldados europeus e os derrotou em inúmeras batalhas antes de sucumbirem após a França recorrer à ajudas militares de outros países europeus”, explica a historiadora.
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Em entrevista a revista Vanity Fair em julho, Davis disse que passou por um intenso treinamento para interpretar a general africana. “Começamos intensamente alguns meses antes das filmagens – quatro horas por dia, cinco dias por semana. Musculação, corrida, artes marciais e treinamento de armamento para o facão”.
Leia a entrevista com a Debora Simão:
1 – Quem foram as guerreiras de Daomé, que serão interpretadas no novo filme da Viola Davis e a importância delas na luta contra a colonização?
As guerreiras do reino de Daomé, atual Benin, representadas no novo filme protagonizado por Viola Davis, foram mulheres que formavam um forte exército que protegia o rei, o Estado e consequentemente lutaram contra a força colonial, mais especificamente contra o exército francês, em guerras no século XIX. Não se tem precisão do período em que o exército de mulheres do Daomé foi criado, mas acredita-se que elas podem ter vindo de dois grupos distintos: das caçadoras de elefantes, comuns nos séculos XVII e XVIII ou das mulheres que faziam a segurança do palácio real e do monarca. O Agoji pode ser considerado o único exército exclusivo de mulheres com registros históricos.
Infelizmente, muito do que sabemos hoje sobre essas guerreiras foi escrito por homens brancos, os viajantes europeus que em geral eram estudiosos ou religiosos ligados ao poder colonial. Até hoje o principal livro sobre Agoji é o livro Amazons of Black Sparta do britânico Stanley B. Alpern.
A historiadora Danielle Suguiama apresenta que o exército de mulheres do reino de Daomé teve uma expressiva variação numérica no decorrer do tempo, nos registros dos viajantes do século XVIII eram entre 100 e 800, já no XIX a marca variava entre 4000 a 8000 mulheres.
O Agoji é um exemplo de bravura, predomina no grupo ideias bem alicerçadas, elas não temiam a morte e suportavam as dores. Possuíam um elevado status social, eram respeitadas por toda a sociedade daomeana.
Na primeira fala no trailer, Nanisca, interpretada por Davis, a guerreira que lidera o exército, fala ao rei os objetivos dos exploradores: “Os europeus querem nos conquistar. Não vão parar até que toda a África seja deles”, indicando a importância delas na proteção contra as forças imperiais. Nanisca, em outra cena fala: “Somos a lâmina da liberdade”, explicitando e salientando a função central do Agoji na luta contra a subjugação europeia, pela proteção e libertação do reino de Daomé.
O poderio militar feminino no reino de Daomé surpreendeu soldados europeus e os derrotou em inúmeras batalhas antes de sucumbirem após a França recorrer à ajudas militares de outros países europeus.
2 – Por que poucas pessoas conhecem essa história tão importantes sobre as mulheres militares?
A resposta mais direta é porque a história é eurocêntrica. Ela enquanto uma ciência, uma ciência humana foi escrita a partir do ponto de vista dos europeus. Um exemplo que sempre uso é o seguinte: como o professor e a professora de história, em geral, definem o imperialismo, de forma geral: “busca dos europeus por matéria prima, mercado consumidor e mão de obra na África”. Ou seja, o continente africano e seus povos são pano de fundo nessa explicação. A diversidade cultural dos diversos povos, suas riquezas e resistências, não eram e ainda não são devidamente tratadas. Em sala de aula, eu sempre faço a seguinte indagação: “Já ouviram falar da Revolução Francesa?”. A resposta unânime é: “Sim”. E sigo nas questões: “Me falem o nome de um ‘herói’ dessa Revolução”. Não demora para surgir alguns nomes, principalmente Robspierre. Em seguida pergunto: “Vocês conhecem a Revolução do Haiti?”, “Sabem o que foi?” “Conhecem o nome de algum revolucionário que atuou nesse processo histórico?”. Em geral, os alunos e alunas sabem que existiu, mas não sabem explicar. O currículo escolar de história (e de outras disciplinas) não só não aborda a cultura africana e de seus descendentes e quando aborda tiram deles o poder de ação, eles deixam de ser sujeitos.
Não podemos esquecer, que desde 2003, há uma lei, a 10.639, que torna obrigatório o ensino da história e cultura africanas e afrobrasileiras nas escolas públicas e particulares, em todo o Brasil. Não é facultativo, é obrigatório. No ensino formal de história, o da escola, centra-se nos grandes acontecimentos dos europeus. O tempo histórico, as eras da história (Idade Antiga, Média, Moderna e Contemporânea) são delimitadas por grandes acontecimentos que ocorrem com os europeus. Elas foram criadas no Iluminismo e dão a falsa impressão de que é universal. Em geral, quando se estuda os africanos é por meio de processo de subjugação, como, imperialismo e escravidão. Mudar esse panorama é urgente e tem sido uma pauta do Movimento Negro, em sua diversidade. Imagina a potência que seria se uma menina negra soubesse que ela descende de mulheres guerreiras?
É preciso também falar dos avanços, um marco nos estudos sobre a história do continente africano é a publicação no Brasil da coleção História Geral da África, produzida pela UNESCO.
3 – Você acha que A Mulher Rei vai ser um bom retrato da história das nossas ancestrais e ajudar a espalhar uma África pouco conhecida? Quais as suas expectativas?
Achei o trailer do filme A Mulher Rei emocionante e forte. Já deu para perceber a qualidade, destaco a trilha sonora e os figurinos incríveis. Acho que esse filme é um marco importante para difundir a história do reino do Daomé, a importância das mulheres guerreiras, a complexidade política e social desse reino da África Ocidental, que tinha como principal grupo etnico os fons, como estrutura política a monarquia e religião predominante o vodu. Minhas expectativas estão elevadíssimas. Estou contando os dias para chegar 22 de setembro. Ir ao cinema para ver a Violas Davis, essa história é uma obra dirigida por uma mulher negra, Gina Prince-Bythewood.
Por fim, gostaria de falar que as diferenças de gênero do Ocidente não se aplicavam no reino de Daomé, as mulheres ocupavam cargos políticos e sociais essenciais, assim como os homens. Era como se para cada cargo de poder houvesse uma versão masculina e outra feminina. No livro A invenção das mulheres socióloga nigeriana Oyèrónkẹ́ Oyěwùmí analisa essa diferença entre os europeus e os africanos. A socióloga argumenta que é necessário compreender o papel social da mulher partindo das bases africanas. É preciso recuperar os modelos africanos apagados pela colonização europeia. A arte é uma ótima via para isso.
Veja o trailer:
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