O debate sobre o colorismo tem tomado conta das redes sociais, das mesas de bares, dos almoços de domingo em diferentes lugares e discutido por diferentes pessoas. Serei mais uma. Mas tentarei fazer um percurso diferente, ao expor meus argumentos. Para tanto faremos, juntos e juntas um caminho temporal (passado, presente e futuro) e entre dimensões (privado e público).
Para organizar, vamos primeiro ao passado. Parece óbvio, mas vale lembrar, que quando os portugueses chegaram ao Brasil e começaram a explorar a terra, esta “terra à vista” já estava ocupada pelos diversos povos indígenas. A invasão que levou ao massacre, mas também a resistência dos povos indígenas é constantemente revisitada, um exemplo é a tese jurídica do marco temporal. Já estamos transitando pelos diferentes tempos.
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Entre o século XVI e o XIX o Brasil liderou o comércio de africanos escravizados. O país recebeu mais africanos do que qualquer outra região das Américas. Quando de fato, o comércio transatlântico de pessoas cativas se tornou ilegal, por aqui se intensificou uma espécie de tráfego entre Estados, conhecidos na época como províncias). O sangue e suor dos negros (africanos ou nascidos no Brasil) foram usados em Minas Gerais, entre finais do século XVII e meados do século XVIII na extração de ouro saíam dos portos de Recife e Salvador. Após um tempo, o Rio de Janeiro começou a liderar o envio de cativos para trabalharem forçosamente na mineração em Minas Gerais, Mato Grosso e parte de São Paulo. Se você quiser saber mais sobre as viagens transatlânticas de pessoas cativas acesse o site do projeto Slave Voyages que lá você encontrará dados atualizados não apenas sobre o Brasil.
Em 1888, o Brasil finalmente assinou a Lei Áurea extinguindo a escravidão. Mas antes e depois dessa lei o governo incentivou a vinda de trabalhadores europeus para o Brasil para ocuparem, principalmente parte do Rio de Janeiro e São Paulo onde a produção cafeeira estava em alta e o café foi por muitos anos o principal produto de exportação. O café brilhou até parte do século XX. Dinheiro público foi direcionado não para promover saúde, educação, moradia e trabalho para a população recém liberta, mas sim, para possibilitar a vinda de mão de obra branca.
No século XIX, nasceu o racismo científico, e pelo mundo as teorias racistas. A partir do conceito de raça, pesquisadores classificaram a humanidade delimitando desigualdades entre os diferentes povos. Essas teorias afirmavam que a humanidade está dividida em raças e estas estão organizadas numa espécie de hierarquia biológica, onde o branco está na posição superior, dotado assim, de inteligência e beleza e os não brancos ocupam as posições inferiores. Passados anos e inúmeros debates científicos essas teorias foram retiradas, progressivamente, dos debates acadêmicos e foram por fim superadas. Atualmente, raça é um conceito sociológico que não serve para hierarquizar, mas diferenciar a partir de traços socioculturais.
A construção do Brasil e a ideia de identidade nacional aqui foi feita a partir da valorização da miscigenação. Na ilusão de que as três raças (européia, indigena e a africana) conviviam harmoniosamente. Outra falácia. Acreditamos, enquanto sociedade, na concepção da suposta democracia racial. A miscigenação produziu, no Brasil, um diferente gradiente de tons de pele que vai do mais claro ao mais escuro.
Também, aqui, a população negra é a junção de pardos e pretos. Sendo possível o negro de pele clara. Níveis diferentes de melanina na pele, texturas de cabelo, traços do rosto e do corpo são elementos que podem colocar o sujeito mais próximo do branco e consequentemente mais distante do preto.
O colorismo advoga que há um tipo de indivíduo que está mais próximo do ideal da brancura, contudo, esse sujeito não é exatamente branco, ele tem o que a gente chamaria de passabilidade. Porém, basta que esse sujeito utilize algum elemento ou símbolo da cultura negra, como um turbante, ou ser adepto das religiões de matrizes africanas que ele perde esse trânsito, conforme pontua Alessandra Devulsky no livro Colorismo. Como a autora destaca e eu concordo com ela, o colorismo é um subproduto do racismo. O povo negro é o racializado pelo outro, o branco que visto como sem raça, ele é o humano, a norma. Acredito que colorismo é uma daquelas ideias usadas para distrair no foco e constantemente é usada entre nós negros como se fosse criação nossa. Estamos olhando para dentro quando nosso olhar e denuncia poderia (ou melhor, deveria) ser exógeno.
Com isso, e aqui termino, afirmo que pessoas negras de pele clara e as pessoas negras de pele escura sofrem de maneiras diferentes as mazelas do racismo. Pessoas de pele escura, ou com mais traços fenotípicos do que se entende por laços com a africanidade estão mais expostas as diversas facetas do racismo, sofrendo mais com a violência do Estado ou desprezo afetivo. Somos negros e diversos entre nós. Sermos colocados numa unicidade é também racismo, fortalecer a nossa diferença faz parte da construção das identidades negras.
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