Por Thais Moreira
Nos anos atuais, é possível perceber que muitos diretores estão se aproveitando do “efeito Jordan Peele” para incluir histórias negras em filmes e séries de terror. Porém, diferente de Peele, alguns desses diretores tem fracassado na missão de representar o povo preto nas produções de forma sensível e, ao invés disso, tem produzido conteúdos que se aproveitam da dor do racismo de forma vazia com a justificativa de ser “terror”, como é o exemplo da série THEM.
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Pra começar, o que é o “efeito Jordan Peele”? Jordan é um diretor negro norte-americano, responsável por sucessos como os filmes Corra (2017) e Nós (2019). Esses dois filmes, em específico, possuem elencos negros, principalmente protagonistas, e tratam de temas sensíveis da sociedade. Corra, com o tema do racismo, fez sucesso ao mostrar de forma metafórica como famílias brancas recebem pessoas negras, seja como parentes agregados ou como empregados. Jordan conseguiu mostrar no filme o racismo de forma não exploratória, sem se aproveitar da nossa dor para chocar, ao invés disso, mostrou por meio de detalhes inteligentes como o racismo pode ser velado e, ainda assim, destruidor para nós. Visto que houve sucesso em seu filme, outros diretores decidiram seguir seus passos e produzir filmes e séries parecidos. Porém, existem pontos que Jordan considerou que outros deixaram de levar em conta.
THEM é um perfeito exemplo para essa situação. A série americana criada por Little Marvin e dirigida por Jonathan Mostow, é antalógica, e a primeira temporada conta a história de uma família negra que se mudou para um bairro branco, e é atormentada por forças naturais e sobrenaturais. É claro que a série aborda racismo, tendo cenas específicas onde os personagens são agredidos verbalmente por vizinhos. Aborda, também de forma metafórica, as forças sobrenaturais que tentam destruir a família. Então, o que THEM fez errado e Corra fez certo?
Começando pelo óbvio, o diretor de THEM é branco. Claro, a criação e produção da série é feita por pessoas negras, e existe sim uma diretora negra dentre o time, mas a maioria é formada por homens brancos. E isso é um fator importante a considerar já que quase todas as vezes que diretores brancos tentam retratar racismo, acaba sendo caricato, insensível e/ou uma história de branco salvador. Porém, o erro vai bem além disso.
Em THEM, assim como em outras séries e filmes, o elemento do medo não é bem um fantasma ou uma força sobrenatural, é o racismo. É como se o racismo fosse o inimigo e é dele que deve-se ter medo. E é verdade, todo preto sabe que a nossa própria vida é um filme de terror por causa de racismo, é inegável. Porém, existe uma forma certa de transformar o racismo no elemento central num filme que deveria causar medo. E não é fazendo com que todos os pretos que assistam se sintam incomodados por momentos de gatilho.
É de conhecimento geral de que na história do terror, personagens negros servem pra duas coisas: ser alívio cômico e morrer nos primeiros 20 minutos de filme. Isso quando eles aparecem nos filmes, em muitos, eles nem mesmo estão presentes. Tem um motivo pra isso, claro. Em filmes como A Hora do Pesadelo, O Massacre da Serra Elétrica e Jogos Mortais, por exemplo, nem tem personagens negros. E quando tem, eles morrem primeiro, ou não chegam ao fim do filme de alguma forma. Em um levantamento feito pela Complex, personagens negros em filmes de terror tem mais probabilidade de sobreviver em três casos: juntando-se à protagonista branca, caso o vilão seja negro ou caso o elenco todo seja negro. Do contrário, eles morrem no começo ou no meio do filme, nunca chegando à posição de sobrevivente final.
Portanto, aqui vão alguns exemplos (e recomendações) de filmes de terror com protagonismo negro pra você assistir:
CANDYMAN
Um bom exemplo é o filme CandyMan, estrelando o ator Tonny Todd. Tonny é um dos atores negros mais proeminentes do cinema do terror especialmente por esse papel, além de sua participação em alguns dos filmes da franquia Premonição. Em CandyMan, um escravo negro é torturado e morto por um grupo de racistas brancos. Eles colocam mel em seu corpo e deixam as abelhas fazerem o trabalho. Como vingança, o escravo volta a vida como uma entidade sobrenatural denominada CandyMan que te mata se você chamar ele cinco vezes na frente do espelho (sim, existe uma referência à BloodyMary). O diferencial do filme é que, mesmo abordando temas como racismo, violência na periferia e a própria escravidão, CandyMan não se limita a isso. É um terror clássico, como Sexta-Feira 13 ou Halloween, com aquele conceito simples: vilão sofre trauma, portanto, vilão decide matar todo mundo. Para a época que foi lançado, é bem menos insensível do que muitos outros filmes mais recentes.
BONES
Um dos meus favoritos, Bones é dirigido por Ernest Dickerson (Do The Right Thing e Malcom X) e estrelado por ninguém mais ninguém menos que Snoop Dogg. O filme conta a história de um grupo de jovens tentando apaziguar o espírito de um gangstar traído e assassinado pelos que mais confiava. A história se passa na periferia americana, a trila sonora é sensacional (feita por Snoop Dogg) e o filme tinha tudo pra ser um clássico do terror da época, trás todos os elementos e efeitos muito melhores do que outros filmes mais famosos lançados no mesmo ano. Eu nem preciso dizer porque um filme dirigido e estrelado por negros não foi sucesso de bilheteria, mesmo que bem feito, não é mesmo?
MA
Esse é um pouco mais controverso. MA é dirigido por e estrelado por Octavia Spencer (Estrelas Além do Tempo) é um filme de terror psicológico que acompanha uma assistente de veterinária buscando vingança por seu abuso sofrido no passado. O filme, ironicamente, não é controverso por não apontar racismo como causa direta do abuso da protagonista (por mais que seus abusadores sejam todos brancos. Alguns chamam de coincidência, eu chamo de outra coisa), mas os críticos apontam que o filme é “fraco” para o gênero. Eu discordo. MA é um bom filme caso você queria ver um suspense não muito pesado, mas ainda assim capaz de te entreter e te fazer pensar. Além do mais, a protagonista é negra e ela não morre nos primeiros 10 minutos do filme, como acontece com quase todo preto em filmes de terror.
A NOITE DOS MORTOS VIVOS
A noite dos Mortos Vivos foi lançado em 1968, é dirigido por George A. Romero e merece um pouco mais de atenção ao roteiro. Como o nome já sugere, é um filme de zumbis, onde os protagonistas procuram sobreviver depois que os mortos voltam à vida. Porém, também é um filme importante quando falamos de raça. O próprio Jordan Peele já mencionou que esse filme foi uma de suas maiores inspirações dentro do gênero do terror. O diretor do filme diz que o objetivo não era tratar de racismo na trama, mas é involuntário. No filme, o protagonista Ben, interpretado por Duane Jones, fica preso em uma casa com várias pessoas brancas enquanto os zumbis tomam conta do mundo. É obvio que um homem negro dentro de uma casa cheia de pessoas brancas, preso, vai levantar discussões de racismo, ainda mais nos anos 60. Críticos interpretam a trama como uma sátira às políticas da guerra fria. A questão do racismo fica ainda mais evidente no fim do filme, mas não vou dar spoiler do que acontece. Esse vale a pena assistir com um olhar crítico.
MENÇÃO HONROSA: HORROR NOIRE, de Robin R. Means Coleman
Esse livro é essencial para podermos entender como funciona o cinema do terror para negros. Também existe um documentário baseado no livro, que conta com entrevistas de Jordan Peele e Tonny Todd. É uma mina de conhecimento sobre o assunto e traz luz a esse tema, ainda pouco falado.
Ainda falta um longo caminho para que sejamos bem representados dentro de qualquer ambiente. Porém, a existência de diretores como Jordan Peele, que promovem um novo formato de terror, com outro protagonismo negro, é um alívio e uma esperança para tempos melhores. Só nos resta esperar que outros diretores sigam seus passos de forma mais inteligente.
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