Luciano Ramos, morador do Rio de Janeiro, é pai de uma menina de 2 anos, diretor adjunto da ONG Promundo, consultor em Masculinidades e Paternidades e autor do livro infantil “Quinzinho“. Em 2021, Luciano coordenou o Primeiro Relatório Sobre as Paternidades Negras no Brasil pela ONG, que obteve um resultado alarmante: “95% dos pais negros têm dificuldade de falar sobre racismo com os filhos”.

Em entrevista ao MUNDO NEGRO, Luciano falou sobre esse resultado. “Está muito ligado a forma como nós fomos educados, socializados. O racismo sempre existiu, mas ele sempre foi um tabu. Ao mesmo tempo em que ele existe e a gente sofre isso no cotidiano, enquanto homens e mulheres pessoas negras, ele fica ali numa penumbra, como se não existisse. Isso faz com que pouco se aborda nos espaços de políticas públicas, na escola, nos espaços oficiais e dentro de casa. O que a gente não aprende a falar, a gente também não fala. O que a gente não aprofunda tanto o entendimento, a gente também fica sem ferramentas pra poder falar sobre, é um grande problema dentro da sociedade brasileira”. 

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“Nós fomos um país escravagista, mas fomos o último país a abolir a escravidão, ou seja, nós fomos fundados a partir do racismo, organizados a partir do racismo e pouco se fala sobre racismo. E aí a gente tem um problema dentro disso, que é: os pais não trazem isso pra dentro de casa, não dialogam sobre isso com seus filhos e a gente tem que criar ferramentas para que esses debates cheguem dentro de casa para que eles ocupem os espaços familiares, instrumentalizar os pais para que consigam falar sobre isso, para que tenham ferramentas para dialogar sobre isso com os seus filhos”, explica o diretor adjunto do Promundo.

Luciano também reflete nas principais dificuldades de ser um pai negro atualmente. “Na pós-pandemia está muito relacionado a falta de emprego, a própria miséria, a fome porque a gente sabe que essas mazelas caíram sobre famílias negras no Brasil”. Segundo pesquisa da Rede Penssan divulgada em 2020, 55,2% dos brasileiros vivem com insegurança alimentar. 

Por outro lado, o Primeiro Relatório Sobre as Paternidades Negras no Brasil aponta como os pais conseguem ser participativos. “Quando pais negros conseguem ascender socialmente, academicamente, financeiramente, eles têm muito mais instrumentos pra paternar”, diz Luciano.

Ele explica: “Isso ficou evidente quando mais de 270 homens negros responderam a pesquisa e a maioria são homens com o terceiro grau completo, ensino superior. Alguns com pós-graduação, outros com mestrado. E eles falam que isso criou muita possibilidade para que eles pudessem paternar com mais tranquilidade porque eles não estão preocupados se terão dinheiro no mês seguinte porque eles já estão empregados. Existe muita estabilidade para esses homens conseguirem paternar. Então esses elementos externos também são e serão muito importantes para o desenvolvimento de uma paternidade participativa”.

O livro ‘Quinzinho’ é o segundo mais vendido da editora Caqui (Foto: Reprodução/Instagram)

Em 2019, Luciano estava em um projeto do Promundo para dar aulas sobre Masculinidades e Paternidades Negras. Foi quando se deu conta que encontrou pouquíssimos livros infantis sobre o tema. E quando se tornou pai, em 2020, Luciano diz que teve essa preocupação em como dialogar com a filha sobre paternidades negras. Foi a partir disso, que ele escreveu o livro infantil “Quinzinho”, o segundo mais vendido da editora Caqui.

O livro conta a história do menino Quinzinho e sua família, que trazem a reflexão da importância do orgulho de ser preto e preta, o empoderamento das crianças pretas para enfrentar o racismo e a relação da criança com o seu pai mostra, que apresenta uma dimensão de uma masculinidade alternativa e afetuosa.

Segundo Luciano, o livro teve um retorno positivo dos pequenos leitores: “Muitos meninos negros dizendo o quanto se percebiam no personagem e alguns até diziam: ‘o pai do Quinzinho parece com o meu pai’. Era muito bonito ouvir isso”.

Luciano e filha de 2 anos e 6 mesess (Foto: Arquivo pessoal)

O homem negro e a ausência paterna

“Eu não tive presença paterna. Assim que eu nasci com a minha irmã gêmea, a Luciana, meu pai foi embora. Eu passei por todos os estágios relacionados à questão da ausência paterna. Desde o fato de buscar referências que pudessem ocupar este lugar da paternidade em pessoas externas, até negar a importância da figura paterna na vida do indivíduo em desenvolvimento. Até o momento em que eu consegui vivenciar esse luto da ausência da paternidade e trabalhar isso. Mas foram muitos anos trabalhando isso, inclusive até decidi que eu queria ter de fato um filho porque o não ter uma referência também nos leva a refletir muito como é exercitar um modelo de algo que você não conhece na prática”, relata Luciano. 

O consultor de Masculinidades e Paternidades tem aprendido na prática o que é ser pai com a filha de dois anos e meio. “Quando você exerce paternidade participativa, tem todos os elementos de cuidado, de estar juntos, de acompanhar e de promover o processo de desenvolvimento. Isso demanda também disposição em fazer e entender que toda vez que eu faço isso, eu também estou abrindo porta para outros entenderem que é possível e que deverão fazer porque paternidade e maternidade devem caminhar juntos, no mesmo grau de importância”, afirma.

Para Luciano, a forma de pensar e agir a paternidade ainda tem resquícios da escravidão e por isso, afeta nas relações e nas memóras, ou a falta delas. “Somente em 2020, 80 mil crianças não tiveram no registro de nascimento o nome do pai e a maioria dessas crianças são negras. A ausência da paternidade negra ela não é um elemento isolado ou que se dá apenas por um ato voluntário, isso está ligado também a história, ao fato de que homens negros não foram sequestrados pro Brasil para paternar. Eles foram sequestrados para serem forças brutas de trabalho, para serem animalizados. E isso fala muito, historicamente em nós”. 

E continua com a reflexão: “Que memória de paternidade nós temos? O que existe agora é uma tomada de consciência de que esse lugar da paternidade também é do homem negro, que isso também é um direito do homem negro, que são fatos extremamente distintos, da leitura que em geral é feita no Brasil e nos países do ocidente”.

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