Qual o negro que nunca sofreu racismo no emprego?

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Qual o negro que nunca sofreu racismo no emprego?
Foto: Reprodução/Freepik

Algumas pessoas negras podem até negar ter experienciado o racismo no mercado de trabalho. Mas é bastante improvável escaparmos da desumanização e preconceito, devido à nossa origem, quando estamos no mesmo ambiente que pessoas brancas. Comigo aconteceu – já – no primeiro emprego.

Eu estava com quatorze anos quando fui contratado para trabalhar em uma fábrica de móveis. Os meus pais ficaram bastante contentes. A sensação de alívio transbordava no semblante de minha mãe. Também vibrei muito. Era o meu primeiro registro na carteira de trabalho, e isso é muito significativo para um moleque preto da periferia. Mas eu não tinha a clareza de que a inserção prematura de jovens no mercado de trabalho resultava do histórico de injustiça social. Impactando muito mais nas famílias negras. Todos os membros dessas famílias são essenciais para compor a renda e contribuir com as contas básicas; mas, deixo registrado que um dos efeitos negativos é o aumento da evasão escolar pelos jovens negros. Em textos futuros podemos abordar com profundidade essa lamentável questão.

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A empresa contratante fabricava mesas, estantes, gabinetes para cozinha e guarda-roupas. Eu entrei no setor que lixava os móveis. O ambiente era temeroso, insalubre, havia pó de madeira suspenso no ar e cheiro forte de verniz. A empresa nem se preocupava em fornecer equipamentos de proteção individual, apenas doses diárias de leite. Conforme o encarregado, era uma maneira de aliviar a intoxicação, porém, eu nunca soube se realmente tinha fundamento. No setor trabalhavam – mais ou menos – dez pessoas. Não me recordo o número exato. E como estímulo, a empresa oferecia dinheiro extra conforme a produtividade individual. Por isso, o pessoal almoçava rapidinho para ganhar tempo e aumentar a produção. Era uma loucura! Os móveis, após lixados, eram carregados para o setor de pintura. O problema é que alguns modelos precisavam de pelo menos duas pessoas para carregá-los, mas ninguém queria parar o que estava fazendo para ajudar o companheiro. Daí o pessoal me elegeu o capacho do setor “hei, neguinho, me dá uma força!”. Eu não tinha sossego. Nos primeiros dias, encarei de forma positiva, acreditava que sendo prestativo seria uma maneira de estreitar as amizades.

Mas aquilo, aos poucos, começou a me incomodar. Notei que o pessoal abusava e, além de tudo, estava atrasando a minha produção. Na terceira semana, o encarregado geral até questionou a baixa produtividade. Eu expliquei sobre as interrupções frequentes, e mesmo assim ele alertou-me do risco de não passar na experiência de três meses. Depois da conversa, resolvi não ser mais o capacho dos brancos. Eles não gostaram nem um pouco. No entanto, quando completei um mês na empresa, demitiram-me. No trecho da rescisão de contrato: inadequação à política da empresa e descomprometimento com o trabalho em equipe.

Após esse episódio, trabalhei em diferentes empresas e adquiri considerável experiência profissional. Aprendi que não importa qual a posição profissional que o negro ocupa dentro das empresas. Do chão de fábrica aos cargos mais altos, os negros sempre estarão sujeitos a encontrar pessoas brancas buscando se aproveitar de todas as nossas qualidades.

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