Nesta semana, estive na UFF participando da XV reunião de antropologia do Mercosul, onde, junto com um amigo também pesquisador e antropólogo, ministrei uma oficina chamada “Comissões de heteroidentificação racial, branquitude e identidades raciais no Brasil”. Coincidentemente, parte das redes sociais foram tomadas por uma nova polêmica sobre classificação racial: uma acusação de um suposto blackfishing praticado por uma influencer. O que estes dois temas têm a ver, blackfishing e comissões de heteroidentificação?
Como alguns devem saber, as bancas de heteroidentificação são uma comissão formada para garantir que as políticas de ações afirmativas, como as cotas raciais, sejam destinadas ao seu público alvo. Já o conceito norte-americano de blackfishing é entendido como uma tentativa de uma pessoa branca de se passar por negra para obter engajamento nas redes sociais, através do escurecimento da pele e encrespamento dos cabelos.
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Enquanto nas bancas de heteroidentificação a avaliação de uma pessoa como elegível ou não para as cotas deve ser feita de forma sigilosa e orientada a respeitar a dignidade da pessoa humana, as “comissões de heteroidentificação” formadas na internet,para policiar práticas como a do blackfishing, muitas vezes, primam pelo constrangimento público divulgando imagens pessoais que tem como intuito criar um efeito manada.
No que tange os procedimentos de heteroidentificação, nas instituições públicas, o uso de fotos para heteroidentificar uma pessoa é controverso. A foto pode representar uma imagem diferente da real, ou ludibriar os membros da banca através de uma imagem distorcida pelo uso de maquiagens e bronzeamentos.
No caso da influencer Rafaela Fleur foram usadas fotos em que ela aparecia com a pele mais clara e os cabelos lisos, comparadas com fotos atuais onde apresentava pele escura e cabelos cacheados. Foi o bastante para que as pessoas compartilhassem as imagens e acusassem de “falsa negra”. Acontece que após o linchamento, fotos de infãncia da modelo foram divulgadas e, ao que tudo indica, tratava-se de uma menina negra.
Acredito que o constrangimento é uma ferramenta válida quando o sujeito da questão é uma pessoa claramente branca, e consigo elencar uma série de pontos negativos sobre o constrangimento público de pessoas autodeclaradas negras pardas. O primeiro, é que ele enfraquece o senso de união entre o grupo negro e cria uma falsa ideia de que todos os pretos são contra pessoas pardas se autodeclararem como negras. Também fortalece o movimento de “terceira via” aquele que defende que pessoas pardas fenotipicamente negras se classifiquem fora da negritude.
Por fim, reaviva o discurso freyriano de identidade mestiça. O problema não é a heteroidentificação, nós fazemos isso o tempo todo, nem tornar uma pessoa não elegível a sua política de afeto preto. O problema está em achar que toda pessoa que se autodeclara negra, na qual você não a lê assim, faz por má fé, ou para adquirir algum “privilégio”, e, a partir disso, criar uma comissão de avaliação cuja pena é o linchamento público. Nesse caso a pessoa injustiçada não tem direito ao recurso.
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