Nos últimos dias, a marca Gillette achou de bom tom estrear a vulva influenciadora “PPK da Claudia” no Instagram, com um tom de pele um pouco escuro, de cabelo crespo/cacheado que remete aos pêlos pubianos. Mas especialistas e mulheres negras, não se sentiram à vontade ao ver a personagem na internet. “Nunca vi tanto mal gosto e falta de senso numa campanha só. Aliás vi misoginia, machismo, racismo, humor questionável e infantilização da personagem”, escreveu uma internauta no perfil oficial da personagem.
“A ‘PPK da Claudia’ pretende ser divertida, mas debocha das demandas tão urgentes, quanto íntimas de centenas de milhares de mulheres e pessoas com vulva, no país que mais pratica ninfoplastia (ou labioplastia, cirurgia estética na vulva), que trazem em suas genitálias, marcas indeléveis de violências brutais, apenas por serem quem e como são. A jocosidade é um tom utilizado há muito tempo para reduzir as demandas das mulheres e pessoas com vulva, sobretudo negras”, reflete Caroline Amanda, consultora educação e saúde sexual, em entrevista exclusiva ao Site Mundo Negro.
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“Assim que vi a campanha, senti um mal estar profundo! Imediatamente me recordei da história de Sarah Baartman, conhecida como Vênus Negra, uma mulher sul africana que foi explorada por anos em espetáculos de zoológico humano entre Londres e Paris. Sarah teve sua vulva exposta por décadas em um museu francês até que seu povo conseguiu recuperar o último fragmento do seu corpo, sua vulva”, relata a também fundadora da Yoni das Pretas, a primeira comunidade afro referenciada no Brasil com foco no prazer e bem-viver das mulheres e pessoas com útero.
Para a especialista, a vagina influenciadora reforça estereótipos contra mulheres e pessoas negras e causa mal estar por uma memória negativa. “A fragmentação dos nossos corpos para promoção de campanhas no mercado não é inédita e não combate tabus, muito pelo contrário. A PPK da Claudia com tom da Gabriela, Cravo e Canela [livro de Jorge Amado], o cabelo entre crespo e cacheado, não tem nada de inovador, tão pouco inclusivo”.
“Mais do que falar sobre liberdade, nós mulheres e pessoas com vulva, sobretudo negras, precisamos nos atentar ao discurso midiático com base no suposto empoderamento feminino comprometido exclusivamente com novas práticas de consumo”, alerta Caroline. “Clarear, perfumar, depilar, são práticas que nos aproximam cada vez mais de um ideal de vulva que, no fim, apenas as cirurgias íntimas vaginais costumam entregar”.
A educadora sexual reflete sobre o que realmente significa a liberdade feminina, sem que precise reforçar estereótipos com esses tipos de personagens. “Liberdade é expor o desconforto, liberdade é por exemplo fazer uma crítica desta envergadura e saber que posso sofrer represálias porque as empresas que mais nos oprimiram e coisificaram ao longo das últimas décadas e até séculos, são hoje as principais financiadoras de encontros de empoderamento feminino pautado por skin/self care”.
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