No último domingo, a Folha de São Paulo divulgou uma pesquisa mostrando que seis a cada dez pessoas autodeclaradas pardas não se veem como negras. Diante destas informações, o que podemos fazer é levantar hipóteses que possam explicar esse dado. Quero elencar aqui algumas possíveis explicações sobre o resultado da pesquisa.
A primeira delas tem a ver com a forma como o Brasil construiu sua identidade nacional, durante a década de 1930, pautada na miscigenação. É provável que a glamourização da mistura racial, como essência da identidade brasileira, possa ter produzido efeitos na percepção racial dos brasileiros. Assim, a categoria “parda” representaria uma classificação mais adequada para aqueles que acreditam que ser branco é um “privilégio” que só os europeus têm. A segunda hipótese dialoga com a primeira. Trata-se da idealização da branquitude. É possível que muitas pessoas não se vejam como brancas, por acreditarem que para o serem precisam ser parecidas com a Xuxa ou a Ana Hickmann. A terceira hipótese, para uma parcela destes pardos, pode ter a ver com o funcionamento do racismo levando muitos a sentirem vergonha de assumirem uma identidade negra tão estigmatizada por aqui.
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Também podem haver aqueles que acreditam que negros são somente as pessoas muito escuras, os chamados “retintos”. Isso pode estar ligado a uma visão estereotipada do que seria um africano. Por fim, devemos também nos atentar às particularidades regionais. Segundo o pesquisador do IBGE, José Luis Petruccelli, a tendência é que no norte do país as pessoas autodeclaradas pardas tenham descendência indígena, e no sul e sudeste muitos destes pardos tenham descendência africana. Uma coisa que posso afirmar, é que neste meio existem muitos pardos pertencentes ao que chamo de “branquitude bronzeada”, pessoas de tom de pele bronzeado e lidos socialmente como brancos, mas que se autodeclaram “pardos”.
A existência deste branco bronzeado foi discutida por eugenistas como Oliveira Vianna que dizia que o branco brasileiro não seria ariano como o alemão, mas sim mais escuro devido ao clima e a interferência da genética africana. Estes, podem representar um risco as politicas de ação afirmativa, uma vez que mesmo sabendo-se não negros, manipulam a sua “parditude”, quando convem, para disputar vagas destinadas a pessoas negras.
Embora a ideia de população negra seja baseada no que diz o estatuto da igualdade racial, nem todos os autodeclarados pardos são pessoas negras. Talvez nosso desafio futuro é redesenhar a noção de população negra de modo a direcionar as políticas de ação afirmativas para o seu público alvo: pessoas indígenas, os pretos e os pardos fenotipicamente negros. Enquanto isso, sigo na empreitada de elaborar conteúdos e cursos que ajudem as pessoas a entenderem como se constituiu a branquitude e a negritude no nosso contexto nacional.
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