Por que insistimos em manter vivo o mito de Isabel, a “redentora”?

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Por que insistimos em manter vivo o mito de Isabel, a “redentora”?
Foto: Reprodução

Morre-se de tudo no Brasil, menos de tédio. Quase toda semana, um caso envolvendo a comunidade negra agita as redes sociais. O mais recente foi a notícia de que a cantora Luiza Sonza teria se tornado embaixadora do Instituto Negras Plurais. A condecoração foi concedida pela ajuda da cantora às vítimas das enchentes no Rio Grande do Sul e, principalmente, pelo apoio ao trabalho do Instituto.

Obviamente, a nomeação de uma acusada de racismo como embaixadora de uma organização negra despertou a indignação de muitos. Mas o que me incomodou foram algumas das respostas às críticas, que caíam em bordões como “onde estavam os que criticam?”.

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Primeiramente, é preciso esclarecer que quase ninguém estava criticando a ajuda financeira da artista ao Instituto, mas sim sua nomeação para essa posição, dado que ela poderia apenas ter ajudado e permanecido no anonimato. Parece que, para dignificar o branco, é necessário um trabalho de degradação do negro. Este é o paralelo com a história da princesa Isabel.

O problema não é Isabel ter ajudado na abolição, mas sim ter recebido o título de “redentora”. Nas oficinas e cursos que ministro, trato sempre de contextualizar todo o século XIX antes de falar sobre a princesa Isabel. No século em que se sucedeu a abolição, revoltas e insurreições de escravizados foram recorrentes desde o início. Dizer que a princesa Isabel foi a principal agente no processo abolicionista é apagar a história de grandes personalidades negras que estiveram na linha de frente pela abolição.

Outro ponto é que as respostas às críticas sobre Luiza Sonza, que até onde consta não vieram diretamente do Instituto Negras Plurais, tornam o crime de racismo um crime menor. Parece que, no crime de racismo, o agressor pode ascender a lugares e obter o prestígio que as potenciais vítimas desse crime nunca alcançariam.

Também é preciso dizer que é desonesto afirmar que Sonza fez o que muitos negros não fizeram. Vivemos em um país racialmente desigual em termos de emprego e renda, mas, mesmo assim, muitos ajudaram as vítimas do RS da forma que puderam. Só os movimentos negros doaram mais de 10 toneladas de alimentos para povos de terreiro do Rio Grande do Sul.

Por fim, precisamos nos perguntar por que Luiza Sonza aceitou a honraria. E, mais ainda, nos questionar sobre o porquê de muitos brancos precisarem ser alçados à figura de redentores por estarem praticando o antirracismo.

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