Por que eles têm medo de crianças pretas felizes?

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Por que eles têm medo de crianças pretas felizes?
Foto: Arquivo pessoal

Sou mãe de uma menina preta de 5 anos, e cada dia é um ato de resistência. Criar uma criança negra nesta sociedade não é tarefa para os fracos. Não somos passivos expectadores de uma história que nos foi imposta; somos seus protagonistas reescritos, linha por linha, respiro por respiro.

Sei que criar uma criança não é responsabilidade de apenas duas pessoas. Como nos ensina a sabedoria africana, “é preciso uma aldeia inteira para educar uma criança”. Nossa aldeia é construída com consciência, com escolhas políticas que desafiam a cada segundo a estrutura racista que tenta nos reduzir.

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Escolhemos uma escola que não é apenas um espaço educacional, mas um território de acolhimento e transformação. Um lugar onde minha filha não precisa “se adequar”, mas onde ela simplesmente existe em sua potência plena. Onde educadores compreendem que sua presença não é uma concessão, mas um direito.

Educação positiva não é romantismo, é revolução. Recusamos veementemente qualquer método que traduza disciplina como violência. Nossos “não” são explicados, nossos limites são construídos com diálogo. Não esperamos milagres sentados em um engradado de cerveja. Construímos futuro com as próprias mãos, com intencionalidade.

E adivinhem? Esse posicionamento incomoda. E muito.

Incomoda porque quebramos o ciclo de violências institucionais. Incomoda porque nossa filha não será mais um número estatístico de evasão escolar, de violência racial, de sub-representação. Incomoda porque estamos criando uma geração que não vai pedir permissão para existir.

Este artigo não é apenas meu. É de todas as mães e pais que escolhem criar seus filhos negros como ato político de resistência. Que se reconhecem no direito de sonhar, de questionar, de existir em plenitude.

Para todas as mães e pais que estão nessa jornada: sintam-se compreendidos, fortalecidos. Nossa revolução não pede licença. Ela simplesmente acontece.

Crianças pretas em modo revolução

Quando uma criança negra tem acesso a educação de qualidade, alimentação adequada, prática esportiva, desenvolvimento de pensamento crítico e liderança, e cresce em um ambiente de educação positiva sem violência, isso não deveria ser excepcional. No entanto, em nossa sociedade estruturalmente racista, tal realidade é frequentemente vista com estranheza ou como uma ameaça à ordem estabelecida. O lugar socialmente designado para o negro na sociedade brasileira não é o da excelência, do protagonismo ou do sucesso, mas sim o da subalternidade. Quando nos recusamos a ocupar esse lugar, o sistema reage.

Educar crianças negras para o pensamento crítico e a autoconfiança transcende o ambiente familiar; é um posicionamento político que desafia estruturas seculares de subordinação. bell hooks, Lélia Gonzalez e Conceição Evaristo nos ensinam que essa educação representa uma ruptura direta com os ciclos de opressão.

Quando uma criança negra ocupa espaços tradicionalmente reservados à população branca — seja em escolas de qualidade, cursos de idiomas ou atividades esportivas — ela não está “tirando” lugar de ninguém. Simplesmente está exercendo um direito que sempre lhe foi negado.

Estudos indicam que a presença de alunos negros em escolas particulares no Brasil é significativamente baixa. O Censo Escolar de 2020 revelou que, em média, alunos negros correspondem a apenas 10% do corpo estudantil nas instituições privadas de ensino. Além disso, constatou-se que, quanto mais alta a mensalidade e melhor a colocação da escola no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), menor é o percentual de estudantes pretos e pardos matriculados. Em São Paulo, escolas de elite apresentam entre 0,3% e 6% de alunos negros, abaixo da média nacional de 12% em escolas privadas.

Quando educamos crianças negras para questionarem as estruturas sociais, reconhecerem a própria história para além das narrativas eurocêntricas e desenvolverem autoestima elevada, estamos criando indivíduos capazes de romper com ciclos de opressão. Essa ruptura provoca ressentimento em uma sociedade estruturada sobre a premissa da subordinação negra.

Por que dividir privilégios é tão difícil? Porque o privilégio branco se sustenta na invisibilidade de suas vantagens. Quando essa estrutura é questionada pela presença de crianças negras bem-educadas, articuladas e seguras, a reação social é de estranhamento e resistência.

O mito da meritocracia serve como escudo para defender desigualdades históricas. As famílias negras que criam seus filhos com consciência racial, autoestima elevada e ferramentas para enfrentar o racismo realizam um trabalho revolucionário. A presença de crianças negras ocupando espaços com naturalidade, liderando, expressando-se artisticamente e desenvolvendo pensamento crítico representa uma contestação viva às narrativas de inferioridade racial.

O caminho para a equidade racial passa pelo desconforto de quem sempre teve privilégios e agora precisa aprender a dividir. Cada criança negra que cresce com direitos plenos, sem traumas de rejeição, é uma semente de transformação.

Nosso desafio é não recuar. Garantir que crianças negras tenham infâncias livres, saudáveis e potentes é uma revolução silenciosa que ressignifica o futuro. E essa revolução não pede permissão.

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