Pele negra utilizada como prova para condenação criminal. E a assustadora explicação do Judiciário (Parte I)

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Pele negra utilizada como prova para condenação criminal. E a assustadora explicação do Judiciário (Parte I)
Jovens grafiteiros do DF criam um painel com o tema Juventude Negra e a PazArquivo/José Cruz/Agência Brasil

Texto: Hédio Silva Jr.

Ao longo das décadas o racismo tem impactado decisões judiciais e práticas policiais no Brasil. Desde a condenação injusta de Tiago Afonso dos Santos em 1992, baseada unicamente na cor da pele, até a perpetuação de estereótipos que associam criminalidade a pessoas negras, o histórico expõe desigualdades que persistem.

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Em decisões que utilizam a pele negra como prova para condenação criminal, afirmações como esta não envergonhavam o judiciário brasileiro: “A afirmação da vítima de não encontrar condições para reconhecer os agentes não conflita com a afirmação de ser um deles de cor negra e reconhece-lo já que o reconhecimento se dá pela segura memorização visual de diversos traços característicos de uma pessoa, ou de somente um, a cor”.

Casos recentes, como o julgamento sobre perfilamento racial no STF, mostram como jovens negros continuam sendo tratados de forma desproporcional em abordagens policiais e decisões judiciais. Entretanto, 2024 trouxe avanços com a aprovação do Protocolo para Julgamento com Perspectiva Racial pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), um marco que atende antigas demandas do Movimento Negro e propõe mudanças no olhar do Judiciário.

Confira os detalhes:

1. “A afirmação da vítima de não encontrar condições para reconhecer os agentes não conflita com a afirmação de ser um deles de cor negra e reconhece-lo já que o reconhecimento se dá pela segura memorização visual de diversos traços característicos de uma pessoa, ou de somente um, a cor”. 

2. Era 1992 quando o antigo Tribunal de Alçada Criminal, atual Tribunal de Justiça de São Paulo, condenou Tiago Afonso dos Santos, sem antecedentes criminais, a quase seis anos de prisão pelo fato único de ser negro.

3. Repare que a vítima não reconheceu o acusado; não sabia indicar altura aproximada, peso, idade, compleição física, formato do rosto, cabelo; nada! Lembrava apenas que era preto. É preto, logo, é bandido: tá condenado.

4. Anos depois, em 2019, uma Juíza Criminal de Campinas confirmou, digamos assim, a existência de um estereótipo de bandido no Brasil. Segundo ela, “Vale anotar que o réu não possui estereótipo padrão de bandido, possui pele, olhos e cabelos claros, não estando sujeito a ser facilmente confundido”. Resumo da ópera: a pele é branca, não deve ser bandido!!!

5. No ano seguinte, em 2020, o reconhecimento de pessoas voltou a baila num julgamento histórico do Superior Tribunal de Justiça – STJ. A Corte passou a decidir que condenação criminal não pode basear-se exclusivamente em reconhecimento fotográfico. 

6. Desde 1941 já havia lei nesse sentido mas passaram-se 80 anos até que fosse levada a sério pelo Judiciário. Por que? Segundo o próprio STJ, a grande maioria das pessoas condenadas com base em fotografias é negra, preta, não é branca enfim. 

7. Daí a origem dos famosos e sinistros “Álbuns de Suspeitos”, utilizados em Delegacias de Polícia de todo o país. No Ceará, por acaso, um desses álbuns exibia a foto do empresário e estrela negra do basquete mundial, Michael Jordan, norte-americano, “fichado” como suspeito de crimes… Seria cômico se não fosse trágico.

8. Já em 2024 o tema do “estereótipo de bandido” foi amplamente debatido no STF tanto no julgamento do porte de drogas para consumo pessoal quanto no perfilamento racial. 

9. Para o STF, um jovem negro abordado com pequena quantidade de maconha rapidamente é considerado traficante. Um branco transportando volume muito maior é tratado como inofensivo usuário. 

10. O STF também reconhece que o problema não se resume à intenção do policial; envolve obviamente validações conscientes de Delegados de Polícia (esse sim autoridade policial), Ministério Público e Judiciário. 

11. Mas o ano que se encerra também trouxe ventos de mudança: no último dia 19 de novembro o Conselho Nacional de Justiça – CNJ aprovou o “Protocolo para Julgamento com Perspectiva Racial”, uma espécie de guia de orientações para que juízas e juízes atentem para o impacto nefasto do racismo no sistema de Justiça. 

12. Lembremos que a aprovação do “Protocolo” atende antigas reivindicações de intelectuais e líderes como Abdias Nascimento e Lélia Gonzales e da própria agenda do Movimento Negro. Um dos estopins para o surgimento do MNU, aliás, foi exatamente a morte brutal do jovem negro Robson Silveira da Luz, torturado e morto numa Delegacia de Polícia paulista. 

13. Devemos reconhecer também o trabalho obstinado de juízas e juízes negras(os) assessores do CNJ, entre eles a Dra. Adriana Alves dos Santos Cruz, Dra. Karen Luise Vilanova Batista de Souza e Dr. Edinaldo César Santos Júnior, responsáveis pela elaboração do “Protocolo”. 

14. Qual sua opinião? Semana que vem voltaremos a esse tema.

Texto: Hédio Silva Jr., Advogado, Doutor em Direito, fundador do Jusracial e Coordenador do curso “Prática Jurídica em casos de Discriminação Racial e Religiosa”

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