Até hoje os brancos falaram por nós. Temos que assumir a nossa própria voz. É aquele papo, temos que ser sujeitos do nosso próprio discurso, das nossas próprias práticas.
– Lélia Gonzalez
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Às vezes vejo situações que me deixam na dúvida se dou risada ou mando todos às “favas” (se é que você me entende). Recentemente, resolvi procurar um programa na TV para passar o tempo. Encontrei um evento cheio de pessoas negras, e as imagens me deixaram animado. Mas quando eu menos espero, um rolê totalmente aleatório. No palco, uma celebridade que foi apresentadora de programa infantil (você sabe quem é, né?). Ela disse umas palavras de combate ao racismo e dialogou com uma inteligência artificial sobre o tema. Confesso que eu estava confuso com aquilo. Lembremos que o programa infantil, apresentado por ela, impactou negativamente a autoestima de muitas meninas negras. Até recomendo o curta-metragem ‘Cores e Botas’ (2010), dirigido por Juliana Vicente, para você entender o meu ponto.
Para além dessas questões, a obviedade: as publicações nas redes sociais falavam mais sobre a celebridade, e pouca coisa sobre o principal propósito do evento; os negros não estavam em evidência. É sobre isso a minha inevitável crítica.
Sabe, eu estou preocupado com as atitudes recorrentes de parcela do povo negro, pois estão sempre dando palco para os brancos. Há páginas e perfis negros que diariamente postam fotos e vídeos de brancos como se as críticas colocassem essas pessoas no ostracismo ou rendessem punições, não percebem que isso só fortalece esses imbecis, porque o mundo está cheio deles, como disse o psiquiatra revolucionário Frantz Fanon.
Lideranças e organizadores de eventos negros precisam refletir seriamente qual a vantagem (se é que existe) em ceder espaços destacados aos brancos nas nossas fileiras de luta. O combate ao racismo é um dever da sociedade em geral. Isso não deve ser objeto de discussão. Para ocorrer mudanças estruturais é necessário o confronto ao poder político, e deve envolver toda a população nessa batalha. No entanto, as identidades devem ser realçadas e respeitadas, porque as demandas radicais diferem de cada grupo marginalizado.
Diante disso, e sabedores de que uma das facetas do racismo é o protagonismo que os brancos recebem na sociedade, não faz sentido permitirmos o destaque deles na nossa luta. Sem contar que a nossa atenção precisa ser permanente, o antirracismo branco tornou-se meio de ascensão e manutenção do lugar de privilégios. Inúmeros brancos estão no meio da luta interessados em construírem capital simbólico e granjearem oportunidades econômicas: palestras, cursos, livros, cargos públicos, etc. Não podemos permitir.
Os brancos que queiram contribuir com a luta devem mobilizar os seus pares e construir maneiras de romper o pacto racista, e procurem se debruçar sobre os próprios comportamentos individuais, pois esses têm o potencial de mitigar problemas que colocam em desvantagem os negros no cotidiano. E no nosso caso, basta de servir de palanque para antirracista branco.
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