Marcelo Arouca*
As recentes expressões de racismo no Brasil e nos EUA fizeram com que a temática racial ganhasse os holofotes e passasse a fazer parte de vários espaços de discussão seja nas redes sociais seja nos programas de rádio e televisão. O dado em comum na abordagem da temática era a tentativa de estabelecer comparativos entre o Racismo nos EUA e o Racismo no Brasil. E, em todas as análises, a violência policial era destacada como expressão máxima do racismo. Afinal, as mortes de George Floyd e João Pedro se apresentaram como fatos inegáveis do racismo praticado pelas polícias de lá e daqui.
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No bojo das discussões, também se buscavam estabelecer comparações entre outras variáveis da vida social em que o racismo se manifestara como, por exemplo, nas áreas de educação, mercado de trabalho e saúde. Neste particular, vale destacar que a pandemia da covid-19 também materializa o racismo. Afinal, tanto lá quanto cá, as comunidades negras ocupam as primeiras posições no ranking da letalidade da doença mesmo sendo minoria entre os infectados. Por fim, vale destacar também a tentativa de se explicar as diferenças na forma com que estadunidenses de reação aos casos de racismo promovidos pelos respectivos estados.
Entretanto, todos esses debates despertaram em mim a necessidade se abordar algo que vem sendo quase que negligenciado em todas as discussões sobre racismo. É recorrente, e salutar, discutir os efeitos do racismo na sociedade brasileira sob a ótica da geração e perpetuação da pobreza entre os descendentes dos escravizados – nós, os negros e negras. Todavia, quase nada é escrito sobre a geração e perpetuação de riqueza que esse mesmo fenômeno (O RACISMO) perpetuou entre os brancos.
Portanto, se as condições de vida dos negros de hoje são resultantes do processo de exploração que seus antepassados foram submetidos durante a escravidão e também dos efeitos do racismo no pós-abolição, pode-se afirmar que as condições de vida dos brancos de hoje também são resultantes do mesmo processo, porém usufruindo das riquezas por ele geradas.
Se essa afirmação for verdadeira (e é), será preciso abrir uma janela de discussão e de pesquisa profunda para que se possa fazer uma espécie de genealogia da riqueza no país remontando desde à origem do processo escravocrata e racista, passando pelas leis racistas de incentivo à imigração europeia do final do século XIX que tanto enche de orgulho os seus descendentes. Um dado que pode facilitar essa pesquisa é que, ao contrário do que ocorreu com os documentos da escravidão, há muito mais registros e documentos que possibilitarão a identificação das famílias que se beneficiaram com o racismo no Brasil.
Na prática, essa identificação pode não trazer nenhuma compensação monetária aos descendentes dos povos escravizados, mas servirá, ao menos, para mostrar que não é apenas nas mãos da polícia que há gotas de sangue negro.
* Graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia; Consultor de Projetos Sociais e Ambientais; e Pai de Beatriz, Letícia e Martin.
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